A lua fantasma de Marcio Markendorf (Hecatombe, 2023)
“O tempo é uma coisa irreproduzível.” - Pág. 123
Da orelha: “… um hino de oblação a Caio Fernando Abreu, demonstra exímio trabalho com as palavras, labor que em cada uma das narrativas deixa impressos os engendramentos operacionais dos afetos, melhor, os afetos-outros, aqueles considerados socialmente inadequados.” escrita por Flavio Adriano Nantes.
“Amanhã seremos menos. Minhas vísceras tomaram parte da planície, minha alma fará para ti sombra fresca. Então viverei contigo menos que a distância que eu invento, menos que o intervalo de dois focinhos sangrentos.” - Pág. 09
‘A lua fantasma’, livro de contos de Marcio Markendorf, que saiu na coleção Pajubá em 2023 pela Hecatombe é uma obra de arte. Bem diagramado, com detalhes que fazem a diferença. Seu texto no primeiro conto é bem poético, mas no decorrer das narrativas a prosa feroz dita o teor do livro.
“Quantas noites eu não paguei tributos secretos a esse mosaico de corpos do ônibus, de meninos-homens que eu só visitava na intimidade da imaginação?” - Pág 48
É impossível sair ileso dessa leitura, uma ode aos casos de amores ‘raptados’, principalmente se você faz parte daqueles à margem das possibilidades.
“A química dos corpos era difícil de desfazer após tantas camadas do tempo se sobrepondo, soterrando e petrificando. Nós dois. Fósseis agora, em busca de uma arqueologia do desejo.” - Pág 58
O que mais me encantou nos textos de Marcio foi a forma requintada de escrever, sobretudo uma poesia do dia-a-dia normalmente invisível, o que eleva a qualidade de sua escrita.
“Pedro ficou um pouco rasgado por dentro, também com os membros espalhados pelo chão, como se o amor pudesse ser, por conta daquela história, sempre uma tragédia. Para toda a vida. Um mito pessoal.” - Pág 149
O autor é um exímio contista, produtor de mini-cosmos, suas ‘microliteraturas’ são como teias se entrelaçando do início ao fim para uma tessitura leve e perfeita.
“Quando a abelha voltar, direi a ela que minha preocupação é apenas pólen de amor; meu coração, uma delicada e silvestre florada.” - Pág 158