"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Entrevistando Contemporâneos & Independentes - Carla Guerson

 



Como a literatura entrou em sua vida?


C: Gosto de inventar histórias. Lembro que, ainda muito novinha (talvez cinco ou seis anos), gostava de deitar e ficar “pensando”, vivendo do lado de dentro da minha cabeça antes de dormir. Acho que esse foi o meu primeiro contato com a literatura. Ficou gravada em mim uma sensação boa de viver essas coisas que não aconteceram e acho que isso foi o que antecedeu à escrita ou mesmo à leitura. Reviver as cenas do dia, refazer algumas coisas que vivi, mudando os acontecimentos, os personagens, faço isso até hoje, é um hábito mesmo.



Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?

C: A partir dos 9 anos, me apaixonei irreversivelmente pela palavra escrita e comecei a ler tudo o que vinha pela frente. Enquanto na leitura eu encontrava a satisfação de viver uma vida paralela, mantinha na escrita o papel de resolver as coisas que eu tinha vivido. Escrevi diários e textos reflexivos por toda a minha adolescência. Ao escrever, eu organizava o que vivia e sentia. Mas foi apenas quando assumi o compromisso de ler mais autoras mulheres que comecei a ver a possibilidade de me tornar uma escritora de ficção. Percebi que existia uma necessidade de colocar para viver esses personagens que me habitavam.



Consegue viver de literatura?

C: Não. Eu não vivo sem a literatura, mas não vivo da literatura (no sentido de prover meu sustento financeiro).



Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?

C: A maior dificuldade é sair do meu círculo de amizades. Eu tenho muitos amigos e espero ser lida por todos eles, mas certamente não queria ser lida apenas por quem me conhece ou tem relação de amizade comigo. A maior dificuldade é chegar nessas pessoas que não me conhecem e que irão conhecer apenas meus textos. Tem acontecido, mas ainda é um número reduzido.



Quais são suas referências literárias?

C: Escritoras mulheres, sempre. As antigas, as contemporâneas. Me apaixonei pelas irmãs Bronte, li todas as obras. Elena Ferrante é uma grande referência para mim, também. Com ela aprendi que é possível ser profunda, leve, fácil e complexa ao mesmo tempo. Dentre as brasileiras contemporâneas, Aline Bei, que foi minha professora, mentora e que escreve com uma entrega completa, tem um talento incrível para tocar o leitor. Conceição Evaristo, Carola Saavedra, Renata Belmonte, Veronica Stigger, Nara Vidal, Maria Valeria Rezende, Eliana Alvez Cruz. Bebo de todas essas fontes (e com certeza estou esquecendo de algumas). Eu poderia dizer que todas as mulheres que li (e foram muitas), de alguma forma, são referências para mim. Participo de um grupo que se dedica, desde 2016, a ler exclusivamente obras escritas por mulheres e essa leitura tem sido essencial na construção da minha identidade como escritora. Na folha de agradecimentos do meu livro, inclusive, menciono a gratidão a todas as mulheres escritoras que me antecederam, por me fazerem entender o que tenho a dizer.



Lida bem com as críticas?

C: Ainda não sei. No dia-a-dia, sim. Mas não sei como vai ser quando forem críticas direcionadas ao meu livro, por exemplo. Acredito que estou preparada. Até mesmo porque, para ser criticada, tem que ser lida. E eu quero ser lida.



Está trabalhando em algum livro no momento?

C: Acabei de lançar meu livro de contos, pela editora Patuá: O som do tapa. São 28 contos com personagens femininas de diferentes faixas etárias e classes sociais, abordando temas como estupro, violência doméstica, perdas, maternidade, relacionamentos abusivos, sobrecarga feminina, conflitos familiares, sexualidade, autoimagem, dentre outros.



O que seria de sua vida sem as letras?

C: Não seria. Esse relacionamento já está entranhado em mim de tal forma que faz parte da minha identidade.



Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:

C: A primeira dica seria: escreva, sem se questionar o que virá. É muito difícil escrever pensando numa publicação ou escrever imaginando o que vão dizer do seu texto. Acredito que devemos escrever sobre o que vive em nós, para que seja sincero, digno, completo. Não dá pra ter medo de se expor, de se colocar.

A segunda dica é não ficar só. Conhecer e se relacionar com outros escritores. Participar de oficinas, encontros e cursos de escrita. Além de ser importantíssimo na elaboração do seu texto e na descoberta do seu estilo pessoal, ajuda na construção de uma rede de relacionamentos com seus pares, pessoas que também estão escrevendo e publicando na mesma época que você.







Carla Guerson é escritora, feminista, geminiana, incomodada. Capixaba, nascida e criada em Vitória/ES, onde reside. Escreve contos, crônicas e poemas e tem textos publicados em diversas revistas literárias, coletâneas e antologias. Está lançando, em 2021, o seu primeiro livro: “O som do tapa” (Editora Patuá). Instagram: @carlaguerson.

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