"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

domingo, 20 de novembro de 2022

Território inominado (RESENHA)

Território inominado (Editora Cousa, 2018)



“Resisto a um corpo que se escreve: da melodia á medula, o hábito censura a óbvia ossatura.” - Pág. 37

Uma linguagem um tanto quanto Poética, mas que há também no texto de Fernanda duras críticas sociais ao capitalismo, sobretudo a (re)evolução mercadológica-industrial.

Um dos objeto-sujeito do romance é a própria palavra onde a autora a subverte, colocando-a em variadas situações quase que palpáveis.

“Procuro ser linear, como um rio que se estira entre a nascente e a foz. Por isso escrevo. Mas me perco na narrativa, o rio é sempre curvo.” - Pág. 21

Talvez seja isso - um indício - de como será a narrativa de ‘Território inominado’: uma tentativa.
Para não dizer que não há diálogo, e que se trata de uma espécie de monólogo, há no livro algumas falas no entremeio da narrativa de Fernanda.
Foi o que me deixou confuso na leitura de início, uma pequena ressalva, a falta de linearidade que não me deixa conectar com o que está sendo contado.

“Como são frágeis as fronteiras entre ficção e factualidade!” - Pág. 31

É uma ficção com toques surrealistas, uma realidade paralela, criação de cenas irreais.
Há no livro referências à Mário de Andrade e ‘Macunaíma’, um dos grandes representantes da vanguarda modernista no Brasil.

“O texto é um tecido e minhas mãos poderiam ser instrumento de costurar uma margem possível.” - Pág. 33

Uma tentativa de desbravar as camadas das cidades e das palavras através da entrega total; um deixar boiar corpo-texto num mar pouco explorado.

O objetivo da autora e o que torna ‘Território inominado’ um livro tão desafiador, apesar de curto - um romance de menos de 100 páginas - bem complexo.

“E se o seu mistério não for mais que uma composição de fragmentos, realidade inventada não para que se decifre, não para que se veja, mas para que se apanhe no ato?
Sim, há coisas que devem ser vistas e outras que não.” - Pág. 64

Há uma crítica pontual a arte como produto, a literatura com mercadoria, e também alguns apontamentos do quão difícil é sobreviver como escritora.
Mais uma crítica ao capitalismo, incisiva e certeira, uma forma de refletir sobre o distanciar -ou aproximar- a arte, o artista, do empreendedor.

“[...]ir pode ser também um ficar, permanecer.” - Pág. 77

Por fim as próprias palavras se domam, ou largam seus cabrestos, e ocupam seu lugar nas ‘coisas’ antes inominadas. Fernanda traça uma cartografia da descoberta, sem fronteiras, nos deslocando da translúcida camada entre o real e o imaginário.

 

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Entrevistando Contemporâneos & Independentes – Marco Kbral

 




Como a literatura entrou em sua vida?

M: De maneira natural, através dos causos e “historietas” contadas por meu pai. Foi ele o responsável por introduzir o conhecimento e sofisticação que, não somente, a Literatura, mas outras artes, podem oferecer para o desenvolvimento humano. Lembro-me dele recitando a Salve Rainha pra mim todas as noites, além de me contar História, como disciplina, mas em forma de estórias. Assim nascia, acredito, o Marco Kbral: escritor... o historiador, com certeza.



Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?

M: Fundamental para a criação do escritor. Desde menino sempre li muito. Mesmo quando não dominava a leitura de maneira eficaz, os livros eram meus companheiros. Já sou um jovem senhor, filho de um tempo, onde livros e brinquedos educativos eram necessários, de acordo com muitos pais, para a formação de um futuro cidadão consciente.



Consegue viver de literatura?

M: Viver de Literatura, não! Ela é rica por si só, por isso parece não enriquecer monetariamente. Mas vivo com a Literatura, e de sua presença... sem ela: jamais!



Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?

M: O problema da má divulgação e de um monopólio existente e favorecedor, infelizmente, a pequenos nichos de escritores, situação muitas vezes acoplada, a politicagem... também, a forma como o escritor escreve... muitas vezes eu mesmo não me compreendo, quem dirá o leitor, os nichos, o povo... Deus!



Quais são suas referências literárias?

M: Deixemos que o leitor as descubra. Sou um leque de autores: uma multidão habita em mim indiscriminadamente.



Lida bem com as críticas?

M: Crítica é algo maravilhoso: um processo catabólico. Desconstrução deve ser entendida como chave de sabedoria. De onde vem, sabemos se é maldosa, ou não. Pra quem é bom entendedor, meia palavra basta.



Está trabalhando em algum livro no momento?

M: Sim, dois livros... mas sem spoiler.



O que seria de sua vida sem as letras?

M: A morte do Kbral.



Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:

M: Leia muito para ser sinestésico. Escrever requer um mar de sensações dadas ao ser humano apenas pelo exercício da leitura. A leitura, se assim podemos definir, é a mãe de todas as artes e ciência: se faz Matemática, culinária, pintura... sem se ler?









Marco Kbral (1981) é um professor, historiador, maquiador, cantor e escritor brasileiro. Dentre seus trabalhos destacamos obras técnicas e literárias. É imortal da Academia de Letras de Vila Velha, onde ocupa cadeira 22, cujo patrono é José de Anchieta. São elas: O Rio de Janeiro ante seu novo rei: os impactos da Restauração Portuguesa sobre a cidade do Rio de Janeiro (1640-1680), trabalho premiado e publicado em 2001 pela Editora da Universidade Gama Filho, Sete Poemas de Amor (2009), Etérea (2015), Amorodé (2017), Maria Mulher (2018), Passo de Dois (2019), Polifonias Hiperbólicas (2020) e Ressurreição das Caveiras seguido de Piel (2020). É maquiador formado pelo Instituto Catharine Hill, São Paulo (2015), sendo instrutor e, também, empresário da área de beleza.