Território inominado (Editora Cousa, 2018)
“Resisto a um corpo que se escreve: da melodia á medula, o hábito censura a óbvia ossatura.” - Pág. 37
Uma linguagem um tanto quanto Poética, mas que há também no texto de Fernanda duras críticas sociais ao capitalismo, sobretudo a (re)evolução mercadológica-industrial.
Um dos objeto-sujeito do romance é a própria palavra onde a autora a subverte, colocando-a em variadas situações quase que palpáveis.
“Procuro ser linear, como um rio que se estira entre a nascente e a foz. Por isso escrevo. Mas me perco na narrativa, o rio é sempre curvo.” - Pág. 21
Talvez seja isso - um indício - de como será a narrativa de ‘Território inominado’: uma tentativa.
Para não dizer que não há diálogo, e que se trata de uma espécie de monólogo, há no livro algumas falas no entremeio da narrativa de Fernanda.
Foi o que me deixou confuso na leitura de início, uma pequena ressalva, a falta de linearidade que não me deixa conectar com o que está sendo contado.
“Como são frágeis as fronteiras entre ficção e factualidade!” - Pág. 31
É uma ficção com toques surrealistas, uma realidade paralela, criação de cenas irreais.
Há no livro referências à Mário de Andrade e ‘Macunaíma’, um dos grandes representantes da vanguarda modernista no Brasil.
“O texto é um tecido e minhas mãos poderiam ser instrumento de costurar uma margem possível.” - Pág. 33
Uma tentativa de desbravar as camadas das cidades e das palavras através da entrega total; um deixar boiar corpo-texto num mar pouco explorado.
O objetivo da autora e o que torna ‘Território inominado’ um livro tão desafiador, apesar de curto - um romance de menos de 100 páginas - bem complexo.
“E se o seu mistério não for mais que uma composição de fragmentos, realidade inventada não para que se decifre, não para que se veja, mas para que se apanhe no ato?
Sim, há coisas que devem ser vistas e outras que não.” - Pág. 64
Há uma crítica pontual a arte como produto, a literatura com mercadoria, e também alguns apontamentos do quão difícil é sobreviver como escritora.
Mais uma crítica ao capitalismo, incisiva e certeira, uma forma de refletir sobre o distanciar -ou aproximar- a arte, o artista, do empreendedor.
“[...]ir pode ser também um ficar, permanecer.” - Pág. 77
Por fim as próprias palavras se domam, ou largam seus cabrestos, e ocupam seu lugar nas ‘coisas’ antes inominadas. Fernanda traça uma cartografia da descoberta, sem fronteiras, nos deslocando da translúcida camada entre o real e o imaginário.