Já vou começar com uma crítica sobre o estilo de pontuação; eu achei que a escassez dela torna o texto com parágrafos longos de difícil leitura e um pouco cansativo. Mas esse estilo de texto é uma marca da escritora, já que me parece ser o objetivo do projeto gráfico do livro, que a capa já denuncia.
“[…] quem não toma porrada nem morre por ser quem é nem sempre sabe que viver é privilégio[…]” - Pág. 15
Em uma das páginas corridas, o que parece ser a mente da personagem, a autora cospe no leitor lembranças amorosas, tece crítica ao imperialismo, a crise humanitária, ao machismo e a comunidade literária, sempre ferina e escrachada, sem meias palavras.
“[…] se não endereçarem essa desgraça imperialista vamos ali na venezuela pegar o petróleo deles oferecer ajuda humanitária[…]” - Pág. 18
Em ‘Filha de Sara’, a fofoqueira ao telefone destrincha a vida das conhecidas e o que vê a sua volta, uma personagem preconceituosa em vários níveis, mas que - ao falar de seu trono privilegiado - mostra o retrato da sociedade real e cruel que a cerca. A hipocrisia transcrita em nove páginas.
“… ô cambada de vagabundos! É contra o que hoje? Reforma trabalhista?[…] Nos Estados Unidos e na Europa não tem essa regalia toda de carteira assinada não… e olha a diferença!” - Pág. 31
Junia Zaidan escreve contos de denúncia, sobre uma humanidade a muito distante, em textos poéticos, duros e profundos.
“Chorei pelo desamparo que é a vida. Guta diz que chorar em Paris é mais chique. Vai saber por quê, pra mim é tudo igual: tristeza e vergonha lá e cá, fome lá e cá, desespero lá e cá. Só muda o endereço.” - Pág. 77
Por fim há algumas passagens históricas importantes sobre cenários críticos na América Latina, sobretudo envolvendo os militantes na época da ditadura, período esse que assombrou vários países vizinhos.
“… com a participação dos coletivos de slam Botocudos e Nísia, na batalha de poesia, além de Carlos Papel e outros artistas pela democracia, logo mais. Estamos aqui pelos trabalhadores, contra a retirada de direitos. Vamos ganhar as ruas e mostrar a esse governo a soberania popular…” - Pág. 104
Registro das lutas populares, contra o desgoverno entre 2019 e 2022 e pelos direitos dos trabalhadores, um marco no Brasil em atos políticos.
Reflexão sobre o etarismo, sobretudo a respeito do corpo da mulher e o protagonismo de personagens mais velhas também são frequentes nos contos de Junia Zaidan.
O tempo é também um personagem recorrente em ‘Guia Anônima’.
“Nada falamos ante a memória tão viva pulsando em nossos corpos. Sabemos quem somos um no outro e é bom não sermos mais jovens. O tempo não se move diferente de antes.’ - Pág. 109
A melancolia dos dias e a solidão acompanham as personagens do livro, parceiras genuínas martelando peito e mente, corpo e alma, em danças assombradas. ‘Guia Anônima’, em seus contos, apresenta relatos zonzos de quem vive a beira da loucura e ela parece tão real…
“Decerto a morte psíquica não costuma figurar nas estatísticas policiais, mas nem por isso deixa de ser morte.” - Pág. 114
O genuíno sair da rotina e quebrar um sistema de moer corpos, decepar corações e cuspir sentimentos. Uma tarde no parque com Ravi e seu dono vira poesia na movimentação dos dias no conto ‘Dois casos com cachorros’.
“[…] toda fabulação encerre o vivido[…]” - Pág. 113
Nenhum comentário:
Postar um comentário