"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Escorpião direto na língua [RESENHA]

 


“Impessoalidade não teremos, veracidade muito menos, mas talvez uma coleção de músicas latinas, gozos e gemidos, sangue, devaneios e amor.” Pág. 43

Já na dedicatória do livro a autora já nos mostra o que se seguirá, dedicando aquelas páginas aos seus avós, indicando uma cartografia sanguínea da Ediphôn.

“Encontra, os olhos brilham de amor tanto quanto de temor
Agora é hora de experimentar seu primeiro vestido[…]
Era o que sempre havia procurado
Um tecido teceu abertura de caminhos pra’quele corpo” - Pág. 31

Em um dos primeiros textos ela questiona a obrigação do discurso político de seu corpo pela sociedade, sem espaço para arte, poesia, amor. Apenas a defesa de um corpo dissidente.

“Eu sou a elu, o ela, a elo que mantém tudo isso que vê na performance viva de alguém despida.” - Pág. 11

Temos nessa obra de textos rápidos e pungentes o desejo a importância de saber deixar algumas coisas irem e (re)aprender a ficar consigo, uma necessidade de descoberta do Eu e, consequentemente, a expô-lo ao Outro de forma poética e livre.

“… lá onde fui salva da dor que escapole pelas minhas ventosas eu fui muito mais eu e pude ser feliz.” - Pág. 17

Há questionamentos nos versos de Ediphôn e, em seu Escorpião sobra espaço à possibilidades, o que me fez mergulhar sem medo em seus textos e a gostar ainda mais da autora.

Lendo-a me reconectei com a literatura e, vale essa vírgula aqui, me voltei pra dentro, onde nos afastamos diariamente.

“De roupa
Quero
Mergulhar
Em
Você” - Pág. 19

‘Escorpião direto na língua’ é quase um livro de viagens, rotas indo da baía de Vitória até o Rio de Janeiro e passando por São Paulo até enfim ancorar na Bahia de todos os Santos.

Breves percursos da vida da autora em poemas, crônicas e prosas poéticas curtas, com seus textos autobiográficos que são uma delícia de ler.

“O condeno por ter feito a pele experimentar o amor
E depois rasgá-la todinha no asfalto” - Pág. 23

Ediphôn nos dosa com seus venenos em tons homeopáticos, falando de suas dores, seus medos, suas vulnerabilidades. A autora se permite também ao compartilhamento de suas urgências; de amores, viagens, desejos. Tudo o que nos torna humanos.

Impossível sair ileso e não se conectar com essa leitura.

“[…] hoje sonhei com o nosso carinho no entrelaçar de nossas peles, mas assumir jamais!
[…] Tenho pavor a dor e você tem o potencial de me causar a dor de uma picada de escorpião direto na língua.” - Pág. 42






Ediphôn Souza, 30, poeta, cronista, produtora cultural e professora de língua inglesa na rede municipal de Serra, também atuando com língua portuguesa e literatura brasileira, nascida em Nanuque-MG, e criada na periferia da Serra, mais precisamente em Novo Horizonte, pessoa trans não binária que através de suas vivências e transmutações físicas e emocionais coloca em suas Crônicas e Poesias ao longo dos últimos cinco anos o que é habitar um corpo político e vivo. Participou de antologias como "Identidades" e "Na zona", organizou um livro com a Academia Espírito-Santense de Letras sobre a escritora Lacy Ribeiro chamado "Olhar Marginal", publicou o livro de Crônicas "Luzes Vermelhas", é idealizadora e organizadora de projetos e coletivos como "GritArte" "Trans versos" e "Parede Marginal" além de diversas participações em eventos na Biblioteca Estadual, Biblioteca Municipal de Vitória, Casa Caos, Centro Cultural Eliziário Rangel, onde inclusive já fez parte de um webdoc sobre Novo Horizonte.