"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Entrevistando Contemporâneos & Independentes - Tônio Caetano

 




Como a literatura entrou em sua vida?

T: Minha família não é de leitores. Assim a literatura entrou na minha vida pela escola. Sobretudo na hora do conto, quando comecei a tomar gosto por livros como “A casa sonolenta”, “Aventuras da Bruxa Onilda”, “Marcelo, marmelo, martelo”. Depois, já aprendendo a ler, tive uma fase em que os gibis da Turma da Mônica foram meus companheiros. Dos gibis pra Coleção Vagalume e para o preenchimento das fichas de leitura, foi rápido. Foi também nesta fase que a escrita teve início, como uma conversa interna sobre as questões que me eram urgentes: família, identidade e sexualidade. Desde então sigo lendo e escrevendo, em busca de compreensão sobre o lugar que me cabe no mundo.



Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?

T: Foi a partir da leitura que meu mundo se ampliou. Na infância, fui uma criança muito reservada. Meu sonho era ter um quarto só meu, um lugar em que eu tivesse liberdade e privacidade, algo que só aconteceu no início da vida adulta. Assim, neste período todo, enquanto a privacidade não era possível, com a ajuda dos livros, exerci a liberdade na imaginação. A leitura também ajudou a moldar os meus gostos, visão de mundo. A leitura e a reflexão sobre a realidade foram os pilares para a construção do meu eu autor.



Consegue viver de literatura?

T: De uma forma afetiva, psicológica, criativa, vivo de literatura. Ela faz parte da estrutura que me ajuda a percorrer os dias. Não lembro de - nem penso em - um Tônio Caetano sem a literatura. Em relação à questão financeira, sigo conciliando o trabalho como servidor público com as demandas da literatura. Sou uma pessoa realista em relação à questão financeira, ainda mais neste momento político de desmontes do setor da cultura em nosso país. Não é uma possibilidade para mim voltar a depender financeiramente de pai e mãe, por exemplo. Trabalho para no futuro poder responder sim a esta pergunta.



Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?

T: Com base na minha experiência em 2021, o ano em que meus livros – Terra nos cabelos e Sobre o fundo azul da infância – encontraram mais leitores, as dificuldades que observei partem de vários lugares. Por exemplo, há a dificuldade para estar nos pontos de venda. Assim o escritor precisa também ser um ponto de venda. Há a questão da formação de leitores no país, situação bastante discutida em toda cadeia do livro, sobretudo nesta época de redes sociais, séries etc. E há também as dificuldades do próprio escritor em estabelecer uma interlocução sadia com seu público leitor. Quando tomei maior consciência disso, sobretudo porque meus dois livros têm propostas um tanto distintas, o que de alguma forma segmenta o público leitor, pude encontrar maior interlocução.



Quais são suas referências literárias?

T: Os escritores que sempre volto são: Caio Fernando Abreu, Carolina Maria de Jesus, Clarice Lispector, Conceição Evaristo, Fal Azevedo, Fernando Sabino, Fiodor Dostoiévski, Franz Kafka, James Baldwin, Jean Genet, Lima Barreto, Luiz Vilela, Machado de Assis, Raymond Carver, Sam Shepard e Sergio Faraco. Também há os escritores amigos talentosíssimos, com quem, sempre que posso, tenho o prazer de encontrar e conversar sobre Literatura: Adriana Mondadori, Ana dos Santos, Ana Lúcia Habkost, Ana Melo, Aniuska Van Helden, Caê Guimarães, Dalva Maria Soares, Dóris Soares, Felipe Smidt Nunes, José Falero, Jose Manuel R Barroso, Nathalia Protazio, Marcelo Spalding, Oscar Henrique Cardoso, Paula Martins, Ponciano Correa etc.



Lida bem com as críticas?

T: Hoje, quando a crítica vem, já consigo entender se é algo pessoal ou não. Então lido bem: recebo, absorvo o que me faz pensar sobre a escrita e sigo.



Está trabalhando em algum livro no momento?

T: A médio prazo, tenho trabalhado numa novela. No longo, num romance. Também sigo escrevendo contos. E poemas. 2022 será um ano de muita escrita.



O que seria de sua vida sem as letras?

T: Sempre tive interesse na arte, de forma geral. Na infância, gostava de desenhar. Tive passagem pelo teatro, canto coral, violão. Mas quando descobri as letras comecei a andar. Sem elas, talvez tivesse desenvolvido menos a minha expressão e leitura do mundo. Mais certo é que estaria dançando com outra musa.



Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:

T: Além do básico – ler e escrever sempre e, se possível, partilhar-discutir os escritos num grupo de escrita –, teria duas dicas específicas. A primeira é nunca perder de vista a resposta da pergunta “Por que escrevo?”. Escrevo por diversão, escrevo por necessidade de expressão, escrevo porque ajuda a pensar na vida, escrevo por vaidade, escrevo porque quero estabelecer laços com leitores etc. Não há resposta errada a essa pergunta. É preciso também ter em mente que não existe resposta definitiva. O caminho da escrita é um tanto de experimentar, descobrir o que funciona pra você. Estar atento a isso, sem idealização, ajuda a perceber as possibilidades que a própria escrita apresenta, e quais são as que te farão mais feliz. Uma escrita infeliz, forçada, não rende. Nem para o escritor, nem para o leitor. Fora que é um tempo, uma energia e um dinheiro muito mal-empregados. A segunda dica é tratar a escrita como uma amiga. Amiga daquela que nos dedicamos porque é importante para nós. Uma amizade assim demanda tempo, constância, experiências compartilhadas, memórias, conversas, noites em claro, brigas e reconciliações. Quanto mais ela fizer parte do seu dia a dia, menor a possibilidade da desconexão, o temido “branco”. Uma amizade verdadeira com a escrita naturalmente presenteia, presentifica, torna as coisas mais fáceis, divertidas, ajuda a voar.



Crédito da foto: Diego Lopes



Tônio Caetano é escritor, especialista em Literatura Brasileira pela PUCRS e servidor público municipal. É filho de Virginia e Armindo, cresceu correndo com os seis irmãos pelas lombas da Vila Vargas, periferia de Porto Alegre. Autor do livro “Terra nos cabelos”, Editora Record, Prêmio SESC de Literatura 2020 na categoria Conto, e do livro “Sobre o fundo azul da infância”, Editora Venas Abiertas, Prêmio Academia Rio-Grandense de Letras 2021 na categoria Narrativa Curta. É uma pessoa em busca da própria voz, do seu lugar na luta que cabe a cada um diante da realidade, da página em branco e de si.

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