"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Vila Mathusa (RESENHA)

Vila Mathusa, Zênite Astra (Editora Incompleta, 2022)



“eu tenho pra mim que amor é um outro nome pra sobrevivência.” - Pág. 138

Ganhei da editora Incompleta a revista Puñado nº 07 e li despretensiosamente um conto da mesma autora, intitulado dinah dinamite, o que me fez apaixonar pela personagem e buscar logo o livro.

“é menos sobre descobrir quem se é e mais sobre inventar quem você quer ser.” - Pág. 27

Vila Mathusa é o primeiro livro de Zênite, mas adianto que ela é uma escritora já madura. O livro me surpreendeu já no primeiro conto, ‘aurora e rubi’; uma narrativa sensível e que muito me ensinou. Mostrou que somos crianças em constante aprendizado.

“homens, mulheres, todo mundo vinha ver as bichas se apresentarem. a gente se vestia, chiquérrimas, e ninguém entendia direito. era homem? era mulher? nenhum dos dois: a gente era um escândalo.” - Pág. 46

Amei a forma como Zênite dispôs as palavras - em sua maioria em letras de forma, nenhuma delas sobrepondo a outra -, parágrafos curtos o que deixou a leitura mais fluida e leve.

Gostei também da quebra dos padrões escritos, de como ela inicia cada nova frase, dos diálogos costurados nas cenas; uma forma de escrita de quem tem uma identidade forte e própria.

“travesti correndo é sempre sinal de problema.” - Pág. 66

O livro traz reflexões de certos - ou todos - movimentos, aqui o LGBTQIAP+, que tem em sua essência preconceitos nem tão velados assim, de que esses movimentos que deveriam ser de luta conjunta não abraçam a todes. É um daqueles livros questionadores.

“sinto muito, gata. essa reunião não é pra vocês. não tem uma festa pra vocês irem animar, não? o homem diz, sem esconder o desdém.”- Pág. 59

E no fim de cada conto há uma reticência, o sinal de que nem tudo termina no fim. O que fica é seu poder de leitor para criar a continuação de cada história.

“me recuso a gastar saliva com ouvidos viciados em ouvir tragédias. pois olho para nós e vejo luta e esperança.” - Pág. 83

Enquanto em um parágrafo Zênite desmistifica a ideologia de gênero em outro ela abre espaço para um diálogo a liberdade dos copos marginalizados, sempre de uma forma acessível, descomplicada.

‘Vila Mathusa’ é um livro sobre aceitação e descoberta, lutas e representatividade.

“travesti… quando se vão… nossa, parece que morre uma estrela. quando uma travesti morre, morre com ela um planeta inteiro. mas quando uma travesti vive, meu amor… aí é outra história.” - Pág. 141


 

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