"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

terça-feira, 14 de junho de 2022

Entrevistando Contemporâneos & Independentes – Sara Lovatti




Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?


S: Parece que eu descobri que era leitora quando me entendi como escritora. Sempre me envolvi pela fantasia, pela ficção. A sutileza cruel das morais nas fábulas sempre me entorpeceu e a coisa parece se construir concomitante a construção da nossa identidade. Passa de mero lazer, diversão. É difícil entender quando a leitura adentra e deixa de ser só curiosidade, mas exercita nosso olhar. Um exercício formador e de análise, que ultrapassa a borda da folha, a margem do livro, a escrita só pode acontecer se a leitura a preceder.



Consegue viver de literatura?

S: Não e é injusto de muitos modos, mas principalmente porque sem ela eu não viveria. É o próprio amor bandido essa coisa de literatura e o cenário, bom, é assustador. As pessoas não têm tempo de ler mais, elas mal têm como viver, comprar livro? Pra quê? Demorei a entender o espaço restrito da literatura e inserir-se nesse espaço, como leitora ou como escritora, é uma tarefa complexa. As pequenas editoras estão crescendo, mas as maiores (que ainda têm algo de pequenas) continuam publicando uma supremacia masculina branca que dá nó na minha cabeça. Então não, não consigo viver de literatura, mas gostaria. Viver de literatura é um objetivo, me mantém escrevendo e insistindo nessa ideia tola de por no verso do moço que foi lubrificar o ventilador ruidoso com óleo de cozinha e fez uma grande chuva dourada rançosa no quarto de um bebê dormindo ao amor não correspondido num ritmo indecente.



Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?

S: Divulgação? Acolhimento em espaços literários? Confesso que sou acomodada com essa parte de me divulgar, penso, talvez arrogante, que um livro deve vender-se por si e que hoje as coisas se vendem de forma a perder em essência da coisa. Não quero ser tiktoker pra vender o que eu escrevo, ainda não...rs! O que quero dizer é que acho que minha dificuldade pode ser só caretice, mas de alguma forma, se lá em cima a acessibilidade ao meio literário acontecesse de forma mais abrangente, chegar ao público leitor não seria tão desafiador, seria menos se render a ordem tiktoker vigente. Não digo que perde a pureza do produto, mas talvez a natureza de seu propósito, esse chumbo trocado que nem sempre resvala. Fere fundo, quando chega ao leitor.



Quais são suas referências literárias?

S: Ana Cristina Cesar de cara. Hilda, Clarice, Pizarnik, Thénon, Adelia, Corbellari, Coradello, Carreiro, Tatagiba, Paixão, Oliveira.



Lida bem com as críticas?

S: Na vida ou na poesia? Risos de nervoso com a dupla ironia dessa resposta-pergunta, rs!



Está trabalhando em algum livro no momento?

S: Sim! Tô escrevendo prosa, esse trem demanda uma trabalhão danado!



O que seria de sua vida sem as letras?

S: É a pergunta-ironia-resposta da pergunta 6. Não sei se letras, poesia e vida se separam muito. Posso não registrar um relato real da minha vida, quando escrevo, mas não abro mão de uma constituição do olhar enquanto vivo. A gente trabalha com a sensibilidade pelas letras e não tem como isso não atravessar a vida. Então sem as letras, a literatura, eu seria outra.



Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:

S: Leia e perceba o mundo a sua volta! Escrever é exercício de mão, mas também de olho. Tem gente que se preocupar muito em descrever sentimentos genuinamente verdadeiros e que muitos compartilham, mas a coisa hostil, o desconforto (que é o que me atrai muito na literatura), isso requer tato manual e visual, talvez. Mas gosto de pensar na liberdade do criar. Isso me comove de alguma forma, porque se pra mim o desconforto é atrativo e se origina de construções das mais livres, pra outras pessoas a beleza refinada da métrica pode ser um impulso pra desbravar leitura e escrita. Por isso meu conselho é, escreva, e termine de escrever: publique!









Professora, escritora e mestranda da Pós-graduação em Letras da UFES, onde pesquisa a literatura contemporânea escrita por mulheres. Publicou Desconverso, seu primeiro livro de poemas em 2017. Recentemente lançou o Estilhaço, pela editora Pedregulho.


 


2 comentários:

  1. Show de entrevista! Adorei.

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  2. Fico feliz que tenha gostado. Volte mais vezes e compartilhe com seus amigos. Obrigado!

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