"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

sábado, 22 de outubro de 2022

Entrevistando Contemporâneos & Independentes – Henrique Rodrigues



Como a literatura entrou em sua vida?

H: Entrou pela escola pública quando, aos 13 anos, ganhei um concurso de frases promovido pela biblioteca. Ali algo foi plantado para que, vagarosamente, florescesse anos depois.



Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?

H: Fundamental. A procura por livros, especialmente durante a adolescência, foi uma forma de saber que a realidade poderia ser expandida durante a leitura para que, posteriormente, pudesse ser recriada quando me tornei escritor.



Consegue viver de literatura?

H: Vivo da literatura, ainda que não sobreviva dela diretamente. Aliás, apenas uma pequena parcela de autores paga as contas com direito autoral no Brasil. Meu emprego que paga o feijão com arroz é como gestor cultural, de modo que não é de todo ruim para a nossa realidade.



Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?

H: A inexistência de uma política de leitura e mediação cultural para a área no Brasil. Mas poderia citar certo amadorismo de toda a cadeia produtiva do livro e da leitura.



Quais são suas referências literárias?

H: Millôr Fernandes, basicamente.



Lida bem com as críticas?

H: Um grande mestre da área me disse quando lancei meu primeiro livro: não se assoberbe com críticas positivas, tampouco se abata pelas negativas. Depois de 21 livros, constato que é do jogo.



Está trabalhando em algum livro no momento?

H: Sempre estou. Agora mesmo num romance e uns infantis.



O que seria de sua vida sem as letras?

H: Provavelmente infeliz.



Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:

H: Leia bastante, estude, pesquise, faça oficinas para entender que não está sozinho/a nessa empreitada. E o principal: deixe as coisas acontecerem. Levei 17 anos entre dizer que queria ser escritor e finalmente publicar o primeiro livro, tempo que foi importante para amadurecimento. A literatura tem outro tempo que não esse corrido em que vivemos.







Henrique Rodrigues nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro/RJ, em 1975. Publicou 20 livros, entre poesia, crônica, romance, infantil e juvenil, tendo sido finalista do Prêmio Jabuti por Rua do Escritor: crônicas sobre leitura (Malê). Seu romance O próximo da fila (Record) foi adotado em escolas de todo o país e publicado na França. Já palestrou em espaços culturais no Reino Unido, França, Portugal, Espanha e Bélgica, onde coordenou a residência artística Cine Luso, em 2019.

É colunista do portal PublishNews, onde escreve sobre a vida literária. www.henriquerodrigues.net





Crédito: Silvia Alcântara


 

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

'Limbo' (RESENHA)

 

Limbo (Editora Peabiru, 2022)



“[...] el Caribe es el Limbo.” - trecho do Prefácio por Samuel Whelpley

Me senti em um filme de terror do King, neste início de capítulo, onde vemos uma referência, e que futuramente descobrimos ser uma fresta da identidade do romance gótico de John.

Um dos pontos que me marcaram na leitura foi a crueldade de uma religião pautada na crença universal, onde o aprisionamento humano num cabresto o guia cegamente e amedrontado para fins inesperados.

“Elas lhe falaram sobre o Céu, que resumiriam como um plácido lugar de alegria. Quanto ao inferno, não economizaram detalhes mórbidos e assustadores para uma criança[…]” - Pág. 31

Outra cena forte do livro mostra a maldade do homem diante de um abuso, a necessidade de domar algo, tomar pra si, ou até um desejo velado que teima em se mostrar em forma de violência.

Um povo parado no tempo, cercado por suas crenças exportadas, totalmente fechados pelo que é do chamado ‘mundo novo’ ou da modernidade como conhecemos hoje.

“Ao contrário do resto dos habitantes, Kassandra esteve ausente por longas temporadas de Crisântemo. Sempre voltava com roupas extravagantes, cabelo pintado, trazendo livros, música, perfumes e revistas.” - Pág. 38

Seus capítulos são curtos - o livro é dividido em três partes - e as histórias se ligam de maneira orgânica, ‘limbo’ é um livro de rápida absorção, uma leitura muito fluida.

A violência como o traço do machismo e racismo, em uma cena mostrando uma questão de posse do corpo da mulher, uma marca triste na literatura latino-americana: vestígios da colonização e que ainda perpassam os tempos atuais.

“Quem pode dizer que as casas que nos abrigaram, crianças e adultos, bem como nossos antecessores, não retêm em suas paredes a marca do passado; da alegria e do sofrimento?” - Pág. 103

No limbo é onde personagens excêntricos se encontram, cada um com suas misteriosas histórias, mas que em algum momento também se cruzam. Seus personagens são complexos, cheios de camadas. É um livro redondinho, onde eles se entrelaçam, criando uma linearidade em meio ao caos.

‘Limbo’ de John Templanza Better me deixou meio confuso no início, mas, no decorrer do livro foi me surpreendendo com as diversas nuances entre o terror-horror de suas páginas, ele nos entrega pequenas doses da estória até o desfecho final.

“Tudo é possível ou nada o é, em um lugar como este.” - Pág. 118

Não é um autor que entrega o texto logo de cara. Ele te faz ir mergulhando aos poucos numa areia movediça pegajosa, sombria e fedorenta.

Uma outra coisa importante a ser falada sobre a história é: ela tem um tempo louco. Há no livro algumas mudanças do tempo-espaço; em alguns casos ocorre um salto, há também descrições em forma de delírio e ainda lembranças das personagens que se entrelaçam.

“Sou uma criança no corpo castigado de uma árvore em que amantes escrevem seus nomes com facas. Não vivo em um lugar errado, mas estou preso ao desejo.” - Pág. 120

O Limbo é complexo.


quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Trechos que te farão querer ler o ‘TRANSFEMINISMO’

 



🖤📝 “A interrogação de se nós, mulheres transexuais e travestis, somos ou não mulheres, é um martelar constante, dúvida produzida pelo não enquadramento de nossas experiências dentro do CIStema colonial moderno de gênero.” - Pág 17;

🖤📝 “O grande problema dos “mitos de origem” é que eles apresentam uma perspectiva única da história, transformam experiências singulares em universais.” - Pág 27;

🖤📝 “A verdade é que, apesar de bandeiras erguidas com punho forte por feministas de que o feminismo é para todas, nós, mulheres transexuais e travestis, ainda somos no sisters, não somos irmãs.” - Pág 65;

🖤📝 “Muito se tem insistido em procurar pontos em comuns entre os feminismos, mas também precisamos entender que aprendemos principalmente com as diferenças.” - Pág 69;

🖤📝 “A manutenção de uma ordem compulsória entre sexo-gênero-desejo está diretamente relacionada à sustentação dos privilégios cisgêneros e talvez pudesse ser simples entender que não existe correlação entre sexo e gênero, e tampouco entre gênero e desejo.” - Pág 121;

🖤📝 “É preciso insistir no que temos em comum, que é a não adequação aos discursos cisgêneros, a ideia de que nossos genitais determinam qualquer verdade sobre nossos corpos.” - Pág 154;

🖤📝 “Uma crítica a partir da cisgeneridade permite compreender que, aparentemente, mulheres cisgêneras são mortas por “naturalmente” serem mulheres, enquanto que mulheres transexuais e travestis são assassinadas por perfomarem uma identidade feminina.” - Pág 172;








💙📝 Sobre a autora: Letícia Nascimento é mulher travesti, negra e gorda. Professora da UFPI e Doutoranda em Educação. É ativista social atuando como co-fundadora e articuladora do Acolhe Trans e junto a coordenação executiva nacional do FONATRANS. Pesquisadora vinculada ao: NEPEGECI/UFPI; RIMAS/UFRPE; POCs/UFPEL; ABPN; e AINPGP.