"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

sexta-feira, 30 de junho de 2023

Guia Anônima [RESENHA]

 




Já vou começar com uma crítica sobre o estilo de pontuação; eu achei que a escassez dela torna o texto com parágrafos longos de difícil leitura e um pouco cansativo. Mas esse estilo de texto é uma marca da escritora, já que me parece ser o objetivo do projeto gráfico do livro, que a capa já denuncia.

“[…] quem não toma porrada nem morre por ser quem é nem sempre sabe que viver é privilégio[…]” - Pág. 15

Em uma das páginas corridas, o que parece ser a mente da personagem, a autora cospe no leitor lembranças amorosas, tece crítica ao imperialismo, a crise humanitária, ao machismo e a comunidade literária, sempre ferina e escrachada, sem meias palavras.

“[…] se não endereçarem essa desgraça imperialista vamos ali na venezuela pegar o petróleo deles oferecer ajuda humanitária[…]” - Pág. 18

Em ‘Filha de Sara’, a fofoqueira ao telefone destrincha a vida das conhecidas e o que vê a sua volta, uma personagem preconceituosa em vários níveis, mas que - ao falar de seu trono privilegiado - mostra o retrato da sociedade real e cruel que a cerca. A hipocrisia transcrita em nove páginas.

“… ô cambada de vagabundos! É contra o que hoje? Reforma trabalhista?[…] Nos Estados Unidos e na Europa não tem essa regalia toda de carteira assinada não… e olha a diferença!” - Pág. 31

Junia Zaidan escreve contos de denúncia, sobre uma humanidade a muito distante, em textos poéticos, duros e profundos.

“Chorei pelo desamparo que é a vida. Guta diz que chorar em Paris é mais chique. Vai saber por quê, pra mim é tudo igual: tristeza e vergonha lá e cá, fome lá e cá, desespero lá e cá. Só muda o endereço.” - Pág. 77

Por fim há algumas passagens históricas importantes sobre cenários críticos na América Latina, sobretudo envolvendo os militantes na época da ditadura, período esse que assombrou vários países vizinhos.

“… com a participação dos coletivos de slam Botocudos e Nísia, na batalha de poesia, além de Carlos Papel e outros artistas pela democracia, logo mais. Estamos aqui pelos trabalhadores, contra a retirada de direitos. Vamos ganhar as ruas e mostrar a esse governo a soberania popular…” - Pág. 104

Registro das lutas populares, contra o desgoverno entre 2019 e 2022 e pelos direitos dos trabalhadores, um marco no Brasil em atos políticos.

Reflexão sobre o etarismo, sobretudo a respeito do corpo da mulher e o protagonismo de personagens mais velhas também são frequentes nos contos de Junia Zaidan.
O tempo é também um personagem recorrente em ‘Guia Anônima’.

“Nada falamos ante a memória tão viva pulsando em nossos corpos. Sabemos quem somos um no outro e é bom não sermos mais jovens. O tempo não se move diferente de antes.’ - Pág. 109

A melancolia dos dias e a solidão acompanham as personagens do livro, parceiras genuínas martelando peito e mente, corpo e alma, em danças assombradas. ‘Guia Anônima’, em seus contos, apresenta relatos zonzos de quem vive a beira da loucura e ela parece tão real…

“Decerto a morte psíquica não costuma figurar nas estatísticas policiais, mas nem por isso deixa de ser morte.” - Pág. 114

O genuíno sair da rotina e quebrar um sistema de moer corpos, decepar corações e cuspir sentimentos. Uma tarde no parque com Ravi e seu dono vira poesia na movimentação dos dias no conto ‘Dois casos com cachorros’.

“[…] toda fabulação encerre o vivido[…]” - Pág. 113


sábado, 24 de junho de 2023

Trechos que te farão querer ler o ‘LUGAR DE FALA’





🖤📝 “Entendendo a linguagem como mecanismo de manutenção de poder…” - Pág 14;

🖤📝 “Ao persistirem na ideia de que são universais e falam por todos, insistem em falar pelos outros, quando, na verdade, estão falando de si ao se julgarem universais.” - Pág 31;

🖤📝 “Kilomba rompe com a universalidade em relação aos homens também mostrando que a realidade dos homens negros não é a mesma da dos homens brancos, ou seja, evidencia que também em relação a esses é necessário fazer a pergunta: de quais homens estamos falando?” - Pág 39;

🖤📝 “O não reconhecimento de que partimos de lugares diferentes, posto que experienciamos gênero de modo diferente, leva à legitimação de um discurso excludente, pois não visibiliza outras formas de ser mulher no mundo.” - Pág 51;

🖤📝 “Foucault e Deleuze, por exemplo, não rompem totalmente com o discurso hegemônico ao terem a Europa como centro de análise.” - Pág 72;

🖤📝 “O não ouvir é a tendência a permanecer num lugar cômodo e confortável daquele que se intitula poder falar sobre os Outros, enquanto esses Outros permanecem silenciados.” - Pág 78/79;

🖤📝 “Pensar lugar de fala seria romper com o silêncio instituído para quem foi subalternizado, um movimento no sentido de romper com a hierarquia, muito bem classificada por Derrida como violenta.” - Pág 89;





💙📝 Sobre a autora: Djamila Ribeiro nasceu em Santos. É mestre em filosofia política, colunista do jornal Folha de São Paulo e foi secretária-adjunta de Direitos Humanos e Cidadania do município de São Paulo. Em 2018, integrou a lista das cem pessoas negras mais influentes do mundo com menos de quarenta anos, distinção apoiada pela ONU. Em 2019, recebeu do governo francês o título de personalidade do amanhã e ganhou o prêmio holandês Prince Claus por suas ações em defesa dos direitos humanos e da justiça social.


 

quarta-feira, 21 de junho de 2023

II FESTIVAL LITERÁRIO DE POESIA NEWTON BRAGA

 

a SEMCULT/PMCI e Academia Cachoeirense de Letras (ACL) institui o 
II FESTIVAL LITERÁRIO DE POESIA NEWTON BRAGA



O Município de Cachoeiro de Itapemirim, por intermédio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, no uso de suas atribuições legais, torna público o regulamento do EDITAL Nº006/2023 – FESTIVAL LITERÁRIO DE POESIA NEWTON BRAGA, destinado a autores (pessoa física) maiores de 18 anos, residentes em todo território nacional, com o tema principal celebrar os 112 anos de NEWTON BRAGA


II FESTIVAL LITERÁRIO DE POESIA “CIDADE DO INTERIOR” tem o objetivo de celebrar e reconhecer poetas, estreantes ou com obra publicada, a partir da valorização da figura do Poeta Newton Braga, Patrono da Cadeira 02 da Academia Cachoeirense Letras e da Cadeira 07 da Academia Cariaciquense de Letras.


Os 20 primeiros colocados receberão um CERTIFICADO da ACL, bem como o livreto impresso. Além da sua publicação virtual na edição especial dos 112 anos de Newton Braga no canal do YouTube da SEMCULT.


O resultado final do II FESTIVAL LITERÁRIO DE POESIAS “NEWTON BRAGA – CIDADE DO INTERIOR” será divulgado no site www.cachoeiro.es.gov.br na aba transparência / editais e nas redes sociais da PMCI e SEMCULT – Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Cachoeiro de Itapemirim.



Os interessados deverão realizar as inscrições no período de 15 de junho de 2023 às 23h59min do dia 30 de julho de 2023, pelo e-mail festivalpoesianewtonbraga@gmail.com . O Edital e seus anexos, estão disponíveis no site Prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim - ES , na aba transparência / editais, e será divulgado em Diário Oficial do Município.



sábado, 10 de junho de 2023

Traiu ou não traiu? (RESENHA)

 




Há quanto tempo eu não lia um clássico, leitora (essa forma de tratamento marcou este autor pra mim)

O escolhido da vez foi ‘Dom casmurro’, obra-prima de Machado de Assis, que eu li em um clube de leitura: o Quintal de Rosalina.

“Casmurro… lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando!” - Pág. 06

Se você espera um livro com traições e reviravoltas e afins não é de Dom Casmurro que você precisa, aquela famosa frase: “… Você já reparou nos olhos dela? São assim de cigana oblíqua e dissimulada.“ é apenas uma pequena fração do romance.

Essa especulação em torno das personagens Capitu e Bentinho é só mais uma mostra da genialidade do autor, o restante é o quão grande a obra se tornou e como Machado foi inteligente de deixar espaço para que o leitor imaginasse e dialogasse com o próprio livro.

“… vou deitar ao papel as reminiscências que me vierem vindo.” - Pág. 10

Dom casmurro é um romance de folhetim, publicado antigamente em jornais e periódicos da época, diariamente e com um texto bem memorialístico.

Dentre os temas abordados no livro de Machado temos o principal deles, por qual é desenvolvida a narrativa; a descoberta do primeiro amor, o jogo da conquista, além do ciúme possessivo da personagem principal.

“Êsse primeiro palpitar da seiva, essa revelação da consciência a si própria, nunca mais me esqueceu, nem achei que lhe fôsse comparável qualquer outra sensação da mesma espécie. Naturalmente por ser minha. Naturalmente também por ser a primeira.” - Págs. 41/42

O escritor também encaixa várias críticas pontuais durante o livro o que torna um texto mais rico: ele fala da grafia da época, sobre etarismo, machismo, patriarcado e capitalismo, temas ainda hoje abordados e que perpassam a cultura e a literatura brasileira.

“Os sonhos antigos foram aposentados, e os modernos moram no cérebro da pessoa. Êstes, ainda que quisessem imitar os outros, não poderiam fazê-lo; a ilha dos sonhos, com a dos amôres, como tôdas as ilhas de todos os mares, são agora objeto da ambição e da rivalidade da Europa e dos Estados Unidos.” - Pág. 217

Uma das coisas que tem me roubado a atenção, e que eu presto nos livros que eu leio, é o dever da religião na sociedade.

Machado de Assis nesta obra nos aponta que as personagens tem um medo do pecado, do castigo divino. O que me faz refletir sobre o dever do ‘sagrado’ na condição do ser, e que ele nos mostra através de Dom Casmurro; seus deveres e suas penas.

“São Pedro, que tem as chaves do céu, abriu-nos as portas dêle, fêz-nos entrar, e depois… recitou alguns versículos da sua primeira epístola: “As mulheres sejam sujeitas a seus maridos… Do mesmo modo, vós, maridos… tratando-as com honra, como vasos mais fracos…” - Págs- 322/323

A cena que mais me marcou, a mais pesada, é a mostra da escravização da época: “… Só então reparei nisso; apontei ainda outros escravos, alguns com os mesmos nomes, distinguindo-se por um apelido, ou da pessoa, como João Fulo, Maria Gorda, ou de nação como Pedro Benguela, Antônio Moçambique… alguns andam ganhando na rua, outros estão alugados.” - Pág. 297

Eu poderia falar de desse livro por mais algumas linhas e páginas, mas acho que por aqui ta bom, agora quero saber de você: já leu alguma coisa de Machado de Assis? E Dom Casmurro, o que achou do livro?




Espero que você tenha gostado,




Até a próxima!