"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

terça-feira, 29 de agosto de 2023

Entrevistando Contemporâneos & Independentes – Felipe Fagundes

 


"Tem gente que pensa que comédia é apenas o personagem escorregar numa casca de banana, mas ela é uma ferramenta perfeita para tratar de assuntos delicados

Felipe Fagundes


Como a literatura entrou em sua vida?


Felipe: Eu sempre me encaixei naquela estatística de que brasileiro lê no máximo 2 livros do ano. Lia os livros paradidáticos da escola e outros que entravam no meu caminho por acaso. Só criei o hábito da leitura mesmo quando uma amiga no Ensino Médio passou a me emprestar livros de entretenimento. De lá para cá nunca mais parei de ler.

Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor(a)?

Felipe: Para mim, leitura e escrita andam juntas. Sou um autor mais autocrítico porque leio, sou um leitor mais fascinado porque escrevo. Livros me inspiram a escrever minhas próprias histórias.

Consegue viver de literatura?

Felipe: Quem dera! Brinco sempre que sou um autor-bebê, porque minha carreira tem apenas dois anos, então acho que ainda é cedo para chegar nesse patamar de viver de literatura. A repercussão de Gay de Família nesse primeiro ano me surpreendeu muito, mas sei que há um caminho longo pela frente até eu ter uma carreira consolidada. Atualmente, sou analista de sistemas, a escrita é minha carreira secundária.

Em uma entrevista que deu para UOL sobre seu livro ‘Gay de família’ (editora Paralela, 2022) você disse sobre Diego, um dos personagens principais do livro, que; “Os pais não o aceitam, o irmão não sabe lidar com ele, os sobrinhos mal sabem que o tio existe.” Infelizmente uma dura realidade na comunidade LGBTQIAPN+. Como aproveitar e criar partes cômicas e uma história cativante com um background desses? 

Felipe: Eu sempre digo que minhas comédias são, na verdade, dramas disfarçados. Tem gente que pensa que comédia é apenas o personagem escorregar numa casca de banana, mas ela é uma ferramenta perfeita para tratar de assuntos delicados, temas que talvez os leitores não encarariam se fossem apresentados de outras formas.


"[...] foi essencial que Gay de Família encarasse esse tabu de que gays e crianças não podem conviver no mesmo ambiente

Felipe Fagundes

Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?

Felipe: Ainda estou me entendendo com o marketing digital. A internet é um espaço excelente para nos dar voz e fazer com que leitores nos encontrem, mas entender os algoritmos é um trabalho à parte que autores precisam estudar se quiserem ter sucesso nas redes sociais.

Quais são suas referências literárias?

Felipe: Gosto muito do humor da Sophie Kinsella (série Becky Bloom) e do Vitor Martins (Quinze dias, entre outros)

Há na sociedade alguns preconceitos envolvendo homens gays no Brasil, como adoção de menores, casamento, além do novo conceito de família. O que você propõe em seu livro é ampliar a visão das leitoras e leitores a estes temas? Ou apenas buscou retratá-los como forma de representatividade?

Felipe: Representar personagens de grupos minorizados já é ampliar a visão de quem lê. Não tem como conhecermos o que nem sabemos que existe. Pra mim foi essencial que Gay de Família encarasse esse tabu de que gays e crianças não podem conviver no mesmo ambiente.

Lida bem com as críticas?

Felipe: Eu leio praticamente TUDO que falam do meu livro, mas raramente interajo com resenhas. Entendo que é um espaço dos leitores e quem leu meu livro tem o direito de reagir como quiser a ele.

Como está sendo o retorno (feedback) das leituras?

Felipe: Muito positivo! As avaliações e as resenhas são no geral muito gentis. Ouço muito dos leitores que Gay de Família é o livro mais engraçado que eles leram na vida e isso me dá o sentimento de missão cumprida. Sei que a maioria das pessoas não tem o costume de ler comédias, então me deixa muito feliz ver tanta gente dando uma chance para o meu livro.

Uma pergunta um pouco mais pessoal: como foi sua descoberta enquanto homem gay, seus desafios e dulçores com a própria comunidade e como esse caminho lhe ajudou na preparação do sucesso que está sendo ‘Gay de família’?

Felipe: Eu cresci no meio evangélico, e isso até hoje molda minha personalidade e as histórias que escrevo, é inevitável. Mas, diferente do Diego, não vivi nenhum grande drama quando me entendi gay. Minha família é um amor e sempre me apoiou em todos os meus passos. Acaba que minha experiência cai no mesmo lugar de tantos homens gays que não puderam viver suas vidas 100% durante a adolescência e só foram existir plenamente depois de adultos. Tenho muito orgulho de hoje poder estampar nas livrarias um livro com um GAY bem grande na capa, coisa que há uns 10 anos atrás seria impossível para mim. De certa forma, Gay de Família também é meu grito de liberdade.

Está trabalhando em algum livro novo no momento? 

Felipe: Com certeza! Ainda esse ano chega uma história nova. Nesse exato momento, estou trabalhando na comédia que pretendo lançar em 2024, se tudo der certo.


"[...] tenho muita vontade de escrever uma sequência para Gay de Família (os leitores me pedem muito!)

Felipe Fagundes

Fiquei sabendo que seu livro teve seus direitos adquiridos para uma adaptação audiovisual, o que para um autor estreante é um ótimo resultado, principalmente quando falamos do mercado editorial brasileiro. Como estão as expectativas e o que podemos esperar do futuro de ‘Gay de família’?

Felipe: É incrível porque eu NUNCA imaginei que isso fosse sequer uma possibilidade para mim. Foi uma grande surpresa, e eu realmente não sei o que esperar, acho que ainda não tive tempo de criar expectativas. Torço muito para que o filme leve o melhor do livro para quem precisa. Sobre o futuro, tenho muita vontade de escrever uma sequência para Gay de Família (os leitores me pedem muito!), mas é algo que não depende só de mim para acontecer, então só o tempo dirá.

O que seria de sua vida sem as letras?

Felipe: Eu sempre me vi como um contador de histórias. Antes de começar a escrever, eu desenhava histórias em quadrinhos sem balões de fala. Então gosto de acreditar que eu daria um jeito de encontrar um meio para continuar criando personagens, conflitos e enredos.

Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:

Felipe: Leia bastante. Pratique todos os dias que você puder, nem que seja apenas um pouquinho. Escreva uma história que você gostaria de ler. Pare de enxergar outros escritores como seus concorrentes, está todo mundo no mesmo barco se ajudando. Crie contatos pelas redes sociais. Frequente os eventos literários da sua cidade. Sua primeira história nunca será perfeita, mas pode ser o suficiente para iniciar sua carreira.

 

 

 

 

Felipe Fagundes nasceu em 1991 e cresceu em Nova Iguaçu, cidade da Baixada do Rio de Janeiro. "Gay de Família" é seu primeiro livro publicado, mas desde sempre escreve histórias bem-humoradas que, na verdade, são dramas disfarçados. Seus temas favoritos são família, amizades complicadas e relacionamentos em geral. Gosta de retratar personagens LGBT+ adultos, que já saíram da escola e agora precisam ganhar o mundo. Atualmente, mora no Rio de Janeiro com seu marido.




sábado, 5 de agosto de 2023

LIVROS CENSURADOS NA DITADURA e no governo Bolsonaro (1968-1978/2020)

 




“Uma das primeiras providências da maioria dos regimes autoritários é censurar a liberdade de expressão e opinião, uma forma de dominação pela coerção, limitação ou eliminação das vozes discordantes”, observa Sandra Reimão.

Sandra que é professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e da Escola de Comunicações e Artes (ECA), ambas da USP.

Desde 2008, Sandra Reimão vem se dedicando à análise da ação da censura a livros de 1964 a 1985. Pesquisa que já resultou em vários artigos e, em especial, no livro Repressão e Resistência – Censura a Livros na Ditadura Militar, publicado pela Editora da USP (Edusp).

Foram mais de 450 livros censurados no país entre 1968 e 78, tendo como consequência a prisão de alguns escritores e editores.

Nem tão recentemente assim, em 2020, pipocou nas redes uma polêmica da Secretaria de Educação de Rondônia com uma lista de livros que deveriam ser recolhidos das escolas por serem classificados como “conteúdos inadequados” a crianças e adolescentes.

A lista com 43 livros reúne obras de alguns dos principais autores brasileiros como Machado de Assis, Caio Fernando Abreu, Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar, Nelson Rodrigues, Mário de Andrade e Rubem Fonseca.
Alguns dos títulos censurados foram: memórias póstumas de Brás Cubas, Macunaíma e A vida como ela é.




Acontecimentos históricos: envolvendo o livro e a censura no Brasil e na América-latina

1937

Jorge Amado na fogueira

Em Salvador, Bahia, as autoridades do Estado Novo, ditadura comandada por Getúlio Vargas, queimam em uma fogueira 1,8 mil livros supostamente simpatizantes do comunismo. A maioria era assinada por Jorge Amado, incluindo 808 exemplares de seu recém-lançado Capitães da areia.



1986

Um Nobel em chamas

Durante a ditadura de Pinochet, no Chile, 15 mil exemplares do livro A aventura de Miguel Littín clandestino no Chile, de Gabriel García Márquez, são queimados após serem confiscados no porto de Valparaíso. Os livros apreendidos deveriam ser entregues à editora chilena que publicava as obras de García Márquez, vencedor do Nobel de Literatura em 1982. A reportagem literária conta as complicações do cineasta Miguel Littín, que estava exilado desde o golpe de 1973.



2019

Beijo gay na Bienal

Na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, então prefeito da cidade, manda fiscais da prefeitura recolherem a HQ Vingadores: a cruzada das crianças, que traz na capa dois homens se beijando. O prefeito anuncia que censuraria o livro, mas o STF derruba a medida que autorizava a prefeitura carioca a censurar obras no evento.




A pergunta que fica após todos estes anos de censura escrachadas por parte dos desgovernos conservadores e ditatoriais é: se a literatura é tão inofensiva quanto muitos pensam, porque a mesma é constantemente atacada?

O mais importante: o ato de ler é político!

Vamos ler mais e, acima de tudo, proporcionar o acesso.
 
Até breve!