"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

sexta-feira, 23 de maio de 2025

As meninas [RESENHA]

 



“A memória tem um olfato memorável.” - Págs. 30/31

Lygia, a autora que driblou a censura e mesmo assim escancarou os horrores da ditadura no Brasil publicando seu livro As meninas.

“Os intelectuais estão comovidos demais pra falar, só ficam sacudindo a cabeça e bebendo[…] Eurico continua sumido, foi preso assim que desembarcou e até agora ninguém sabe dele.” - Pág. 22

Em ‘As meninas’ somos guiados, capítulo a capítulo, pelas amigas Lorena, Ana Clara (ou Ana turva) e Lia (a Lião) que vivem no pensionato de freiras Nossa Senhora de Fátima.

“Bom tempo para fazer amor mas não revolução que calor muito forte em subdesenvolvido, amolece. Desfibra.” - Pág. 93

Mesmo sabendo que a autora ganhou o Prêmio Camões (2005) e já foi até indicada ao Prêmio Nobel de Literatura eu ainda não tinha me arriscado a lê-la, e foi um belo começo.

“[…] a forma mais rápida de matar o índio brasileiro é tentar civilizá-lo.” - Pág. 105

‘As meninas’ é um romance denso, principalmente pelo foco narrativo - a forma magistral como Lygia escreve -, onde cada personagem em suas diversas camadas remonta uma parte da história.

“[…] falar em subdesenvolvimento não é só falar nas crianças, depois dou o número exato das que morrem por dia. Tem o analfabetismo. A multiplicação das favelas. Os Retirantes, dê um passeio pelas rodoviárias, escute o que essa gente fala. Vendedores ambulantes com pentes, lápis, giletes. O lixo estourando nas ruas, como se chamam essas bocas que se abre entupidas nas calçadas? A sujeira dos cafés, restaurantes, privadas, a sujeira apoteótica dessas privadas a começar pelas da Faculdade[…]” - Pág. 124

História esta que se entrelaça com a literatura e a memória de um país.

Segundo o filósofo Paul Ricoeur: “talvez haja crimes que não se devam esquecer, vítimas cujo sofrimento peça menos vingança do que narrativa. Só a vontade de não esquecer pode fazer com que esses crimes não voltem nunca mais”.

capa do filme As Meninas (1995)

Depois que li o livro, momento único na minha vida de leitor, principalmente pelas reviravoltas (plot twist), fui assistir ao filme - de 1995 - e em seguida li o artigo ‘A ditadura militar brasileira e os romances As meninas e As horas nuas de Lygia Fagundes Telles (de João Pedro Rodrigues Santos) e que me fez apaixonar ainda mais pela escrita da autora.

“— Essa moda que vocês têm, essa de liberdade. Cismou de andar solta demais e não topo isso[…] Minha filha é moça pobre e lugar de moça pobre é em casa, com o marido, com os filhos.” - Págs. 206/207

‘As meninas’ é um registro histórico e foi isso que o tornou pra mim um livro indispensável, singular por suas personalidades e sobretudo por que expõe as cicatrizes de um povo.

Li com o clube de leitura da @enquantoissoleio, estava criando coragem para fazer-lo, e felizmente tive uma ótima experiência com a leitura.

“Você tem que viver sua vida ao seu modo e não do modo que os outros decidirem, ô, Lena, Lena, não sei explicar, mas aquela história do Tempo devorando os filhos, não é o deus Cronos? Ele mesmo ia parindo e ele mesmo ia devorando tudo.” - Pág. 241

E você, já leu As meninas ou algum outro livro da Lygia?

Me conta.

Espero nos vermos em breve,

Até lá!




Obs. este é um livro complexo, para releituras, por isso vai continuar na minha estante.







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