"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

sábado, 21 de junho de 2025

O pavão desiludido [RESENHA]

 

livro 'O pavão desiludido' (Edições Bloch, 1972)

“… a maioria dos adultos é infeliz por carregar nas costas a sua própria meninice mutilada.” - Pág. 106

Enfim li ‘O pavão desiludido’, romance mais famoso de José Carlos Oliveira. Ele, que é um dos maiores cronistas do Brasil, amigo de Clarice Lispector, mas pouco conhecido pelos leitores hoje em dia.

“A rua Gama Rosa se despenca ondulante da cidade alta e vai desembocar no necrotério. Nela se destacam alguns austeros sobrados de fachadas musguentas, cuja as janelas nunca se abrem, e por cujos portões só entram e saem pessoas de mais de 40 anos. São os netos celibatários de antigos aristocratas, hoje despojados de suas chácaras e brasões, e reduzidos à surdez e à demência, em cômodos atulhados de velhos móveis e de velhas paixões.” - Pág. 31

Gostei bastante do livro por se tratar de um romance autobiográfico, tendo como personagem principal ‘José Carlos’ (o Zé) e a família Oliveira.

“… o mar, esta língua esverdeada que se move no interior da paisagem montanhosa e colinífera, como se a cidade fosse uma grande boca satisfeita de hortelã… contemplou o mar. Era um encontro de dois tímidos.” - Pág. 53

O texto, dividido em trinta capítulos curtos, no estilo folhetim tão utilizado por autores clássicos como Machado de Assis, deixa a história que é pesada um pouco mais fluida.


“… estou decidido a extrair de minha garganta todos os cadáveres que por desventura nela estejam ainda enterrados.” - Pág. 104


A personagem conta sua vida desde seu nascimento, em Vitória do Espírito Santo, até a sua mudança para o Rio de Janeiro. Com suas descrições históricas de monumentos, bares, ruas e paisagens torna a experiência de leitura ainda mais rica.

“O verme privilegiado, que escapole em perfeitas condições da placenta intestinal, no princípio se ressente dessa libertação, julgando ter perdido a inocência.” - Pág. 115

O autor toca em temas bastante sensíveis nesta obra, tais como: estupro, suicídio, a miséria, abuso infantil e abandono. Assuntos que, naquela época, eram ainda tabus na sociedade brasileira.

“Roubaram-lhe o amor materno, e o nome do ladrão é Pedro Pinto de Oliveira. Violentando e matando sua linda filha pálida, ele introduziu o tema do incesto na relação pais-filhos.” - Pág. 119

Minha única reclamação quanto a este livro é que o final é aberto, e eu não curto muito, mas funciona pela proposta que o autor quis trazer.

Espero que tenha gostado,
até a próxima!

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