Como a literatura entrou em sua vida?
Não tem um marco histórico/temporal ou momento exato para narrar. Comecei a ler muito cedo, sempre devorava ‘os textos dos livros de português antes mesmo do inicio do ano letivo. Minha mãe percebendo isto me estimulava comprando livros de bancas de revista que na época custavam R$1,00, lia todos muito rápido, considero isto um privilégio, visto que minha mãe não tinha muito estudo, mas esse estimulo mudou totalmente a maneira de me relacionar com o mundo. Poderia dizer que a literatura de alguma forma sempre esteve presente comigo.
A leitura muda o olhar. Me fez ser mais crítica, talvez um pouco mais melancólica, e também romântica, por que não? Acredito no potencial emancipador da leitura, não somente no tocante ao eu leitor, mas também no eu gente, na construção do meu ser e de tantos outros seres no mundo.
Consegue viver de literatura?
Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?
A dificuldade de estar sempre online (risos), e foi intensificado com a pandemia, porque é como as pessoas chegarão até você. Não tem mais shows. Não tem saraus. As pessoas conhecerão e saberão que você escreve através de páginas em redes sociais, e sinceramente para mim, isto é muito desgastante, porque o celular não era uma coisa que estava muito presente comigo antes, não tinha aplicativos, não conhecia muito a linguagem, e tudo se transformou em adaptação e aprendizado, mas o retorno também é interessante, não financeiramente, até porque este não é o foco, mas ter outras pessoas de outros estados lendo e se identificando com as coisas que escrevo é emocionante.
Quais são suas referências literárias?
Leio muito de tudo, agora estou devorando o livro e textos do Danilo/ Zelda que é uma Drag Queen de Goiânia, que é ume poete fascinante. Gosto muito dos textos da Aline Bueno que também é uma artista independente de Goiânia e que atualmente mora em Brasília, os zines dela sempre mexem muito comigo, porém quando estou imersa neste processo de escrita, procuro não ler nada, nem ouvir músicas, para que seja o mais autoral e mais sincera comigo mesma possível. Quando me perguntam sobre minhas referências na hora de escrever sempre cito, que são as rodas de conversas com amigues, observando as pessoas nos ônibus e terminais lotados, as pessoas que passam por mim na rua, e até os objetos inanimados como prédios, ruas, e bocas de lobo.
Lida bem com as críticas?
Com as críticas dos outros sim, procuro sempre ouvir o que as pessoas têm a dizer sobre o que digo e escrevo, mas sinto que não lido muito bem com a autorização das pessoas a me criticarem, explico, ao escrever as coisas que sinto e penso, eu exponho coisas que não tenho certeza que queria que as pessoas soubessem, é um risco, que ás vezes me apavora, fico pensando no que, por exemplo, meus pais vão pensar de mim quando lerem que transo e bebo (risos). Mas isto de maneira nenhuma me impede de escrever ou faça com que eu queira não expor certas coisas, eu escrevo justamente para não me sufocar com estas tensões existenciais e sociais.
Está trabalhando em algum livro no momento?
O que seria de sua vida sem as letras?
Nunca tinha pensado nisto. E talvez, por esta pergunta tenha demorado um pouco a te responder. Me imagino dentro do filme do Kubrick – 2001, Uma Odisséia no Espaço na cena que o astronauta fica caindo no espaço, na cena um preto espacial e um ponto amarelo caindo em direção ao nada. Acho que minha vida seria isto, um vácuo, um silêncio, suspensa no espaço-tempo, caindo em direção a lugar nenhum.
Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:
Desde que nascemos somos criadas para silenciar o que sentimos: Põe uma chupeta na boca para parar de chorar! Para de gritar! Não fala alto! Larga esses livros e vai lavar uma louça! Mulher não entende de nada! Para de chorar igual mulherzinha! Engole o choro! Você é paga para trabalhar e não para opinar! Homem não gosta de mulher que critica demais!... São tantos silenciamentos, que até apelidamos de timidez. Então a única coisa que digo é: coloquem para fora. Vomitem tudo que esta fazendo mal na cabeça, garganta e coração. Se expresse. Se você se sente mais confortável em escrever um diário, o faça. Uma redação, poesia, fantasia, sonhos, o importante não é guardar tudo dentro de você, ninguém suporta isto, se quiser fazer disto um livro tudo bem, se não quiser mostrar para ninguém, se escreve para aliviar tudo bem também, mas pense que isto que você pode considerar só um alívio estomacal pode servir de antiácido para outras pessoas também.
“Cabeça, coração e estômago, em um conluio, nem sempre romântico, nem sempre realista, inclassificável dentro de moldes quadrados e antiquados. O tom é intimista, um convite para um passeio por sua percepção de mundo, sem frescuras ou preocupação com formas, sua poesia é intuitiva, sem premeditações, como vômitos poéticos, resultados de bactérias lúdicas que processam todo o seu confronto com o mundo real. Digerir a realidade de ser mulher em uma cidade provinciana e pseudomoralista não é nada fácil. O mundo não é um lugar legal para as mulheres. Goiás não foge à regra. Franca, sua poesia pode ir de um afago em um momento de empatia e catarse, ou um soco no estômago de um desavisado, desalertado para seus próprios privilégios. Em tempos sombrios, o fatalismo do tempo não perdoa os incautos, Francielle é uma mulher que reflete as alegrias e mazelas de seu tempo, de omissão jamais será cobrada. Sua poesia ecoará em mentes e vozes, renascerá a cada vez que uma página for lida, em cada golpe de olhar na busca por palavras, como caliandras que resistem nas esquinas, praças, e bocas de lobo.” Fragmento do Prefácio do livro Caliandras na Boca, escrito por Rodolpho Gomes, uma minibiografia sincera do que esta poeta maluca expressa. Francielle é @poesiasolta.ft no Instagram.
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