Como a literatura entrou em sua vida?
M: Minha vó colocava miúdas flores nos meus cabelos e contava histórias para dar um jeito nas lágrimas de uma queda. Ela contava tão bem que me sentia no espaço que aquelas palavras formavam com sons e texturas. Foi para encarar e curar as primeiras quedas que a literatura - pela palavra falada - se impôs na minha jornada.
Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?
M: Ler livros sempre foi e continua sendo de grande importância, mas saber ler um rosto, uma respiração ou um silêncio entre os adultos… isso foi bem mais a leitura que foi se colocando como o carro de meu baralho. Depois fui ver na antropologia práticas que eram minhas e que me colocavam no lugar de uma criança estranha que ouve além do que lhe é permitido.
Consegue viver de literatura?
M: Hoje consigo, mas ainda não é confortável. Pago as contas e preciso trabalhar o triplo do que um trabalho com carteira assinada. É desafiador no mínimo.
Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?
M: A tentativa de apagamento de grandes mídias, existe uma resistência de concordar que uma mulher do norte pode escrever bem e ser lida. Sempre penso que basta eu ter a oportunidade de chegar nos leitores, chegando.. eu confio no caos que a palavra é capaz de fazer.
Quais são suas referências literárias?
M: São as mulheres referências hahaha. Leio muito mais poetas e escritoras. A poesia ainda é o gênero que mais leio mesmo escrevendo prosa, mas amo também as contistas. Eneida de Moraes, Olga Savary, Conceição Evaristo, Sylvia Plath, Maya Angelou… de homens posso citar Milton Hatoum, Cortázar, Raduan Nassar.
Lida bem com as críticas?
M: Muito bem quando não são capas para esconder xenofóbicas e outros preconceitos. Amo ser editada, ter o texto rabiscado, retalhado, comentado. Aprender a ser eu é o que ganho com as críticas.
Está trabalhando em algum livro no momento?
M: Estou trabalhando em um novo livro, sou rápida pra escrever, mas lenta na pesquisa, gosto muito do processo criativo e não tenho pressa de publicar. A palavra dita o tempo. Não posso falar muito sobre hahaha.
O que seria de sua vida sem as letras?
M: Provavelmente eu me mataria se não pudesse escrever.
Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:
M: A primeira escrita deve ser sem filtros, pense em um vaso, ele não nasce vaso, primeiro é um amontoado de barro feio e sem forma. Nenhum texto nasce pronto, ele precisa de seu artesão para se revelar. Anote tudo e principalmente aquilo que parece bobagem. Seja um grande pesquisador, estude tudo sobre o tema, se torne o tema. Não tenha pressa.
Monique Malcher é escritora e artista plástica nascida em Santarém, interior do Pará. Hoje reside em São Paulo. Tem um livro publicado pela Editora Jandaíra que se chama “Flor de Gume” com edição da escritora Jarid Arraes. O livro foi ganhador do prêmio Jabuti 2021 na categoria Contos. Monique também é uma das coordenadoras do Clube de Escritoras Paraenses. Mestre em antropologia (UFPA) e doutoranda interdisciplinar em ciências humanas (UFSC) pesquisando literatura e quadrinhos produzidos por mulheres. Flor de Gume foi lido por mais de 20 clubes de leitura espalhados pelo país em quase dois anos, sendo alguns do projeto Leia Mulheres e um do Memorial da América Latina.