"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Solidões imprevisíveis de Airton Souza em ‘Cortejo e outras begônias’ (RESENHA) #SêPoesia

 



“até as flores
possuem gasturas breves” - Pág. 62

Temas recorrentes na poesia de Airton: o tempo, a saudade e a morte.

É um livro denso, cheio de camadas, não é para ser lido em uma sentada apenas. ‘Cortejo e outras begônias’ é gostoso de ler, mas requer um dia leve.

“homens sabem do sóis
das sombras das pedras
mas a primavera sempre vem
avisar-lhe do objeto final:
morrer.” - Pág. 40

Um livro fragmentado, com seus poemas-caco que perfuram e rasgam fundo, dividido em: ‘tragicômico’, ‘pelos dias’, ‘itinerário incurável’ e ‘de solidões se fazem os dias’.

“não importa a causa
as solidões
são sempre iguais.” - Pág. 80

Os poemas sem títulos, alguns dedicados e iniciando com letras minúsculas me deu uma sensação de naufrágio. Um marasmo. Acho que os dias e as páginas deste livro tendem a te deixar com sede, afinal são poemas secos demais para mais um dia ameno.

“leva contigo o invisível
branco de outras páginas e palavras
porque não te resta nada
a não ser poesia estendida
no estopim confessional
de flores & ausências.” - Pág. 104

O livro foi vencedor do III Prêmio UFES de Literatura na categoria poesia em 2015.






💙 Sobre o #SêPoesia:

A Thay Fracarolli, do @galeoteca, e eu resolvemos nos juntar para um desafio ao qual nomeamos #sêpoesia , onde falaremos sobre poetas nacionais maravilhosos e obras riquíssimas ao longo do ano.
Eu com ‘Cortejo e outras begônias’ de Airton Souza e a Thay com ‘História versada de uma breve vida’ da Lara Couto.





#SêPoesia #LaraCouto #AirtonSouza #LiteraturaBrasileira #Literatura #Livros #Poesia #InstaLivros


sábado, 27 de agosto de 2022

Guananira (RESENHA)

 

Guananira (Editora Maré/A lápis, 2019)



Bernadette declama Vitória como os poetas do século XIX, quase sempre com olhar contemplativo, mas sua visão moderna não deixa escapar os descasos pela sua ilha.

“O Centro de Vitória é como uma caixinha de nossas memórias, é como labirinto em que se cruzam os vivos e os mortos. Pena é que, todos eles, os mortos e os vivos, diariamente tropeçam naquelas maltratadas calçadas que, por descuido ou omissão daqueles a quem caberia cuidá-las, abre em lascas, fendas e feridas ao longo das ancestrais ruas do Centro.” - Pág. 22

‘Guananira’ é um livro de crônicas leve e memorialístico, com textos que beiram a prosa poética, um livro gostoso e de leitura muito fluida.

“Uma nostalgia que ultimamente vem me atacando… Costuma dar em escritores e em camaleões. É coisa de insignificâncias, portanto. Mas, graças a isso é que se sabe: para quem pisa com amor sobre o solo bendito desta Vitória/Guananira nada está perdido. Não estão perdidos nem o sentimento, nem o afeto, nem mesmo a formosura das pedras.” - Pág. 26

São textos curtos, um passeio pelo emaranhado de ruas, vielas, calçadas, praias e montanhas: Guananira é essencialmente banhada pelas crônicas de Bernadette. Uma verdadeira cartografia poética da ilha de Vitória.

“Porém, a verdade é que eu sou uma capixaba alucinada de amor… qualquer coisa do Espírito Santo me toque… para que todo o meu ser se reparta e… eu me lembre que estou permanentemente em exílio.” - Pág. 99

Se você quer conhecer um tiquinho do coração do Espírito Santo, pelos olhos de uma das grandes autoras daqui, este livro é uma boa pedida, um ótimo começo.

Bernadette é quase uma guia turística que nos leva pelas veias de Vitória.



Aproveite a viagem,



Boa leitura!

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

o rasgo fundo de ‘Flor de gume’ (RESENHA) de Monique Malcher

 

Flor de Gume (Editora Jandaíra, 2020)


Monique é uma escritora ilhada na cidade, uma árvore em constante busca de nutrientes, no cimento cinza de Santa Catarina, depois de São Paulo. É o Norte deslocado.

“Sou embarcação, foi a cidade que às vezes fez o coração afogar.” - Pág. 28

‘Flor de gume’ é um livro carregado de amores e dores, complexo como todo ser humano, carregado de textos fortes e certeiros. A autora nos leva a caminhos tortuosos - e alguns gostosos - quase sempre com seus tons subjetivos, de verde, em contos curtos e recheados de sabores.

“O cajueiro viu as crianças crescerem, ouviu palavras feias, chorou escondido quando a tempestade teimou. E o coração do cajueiro pegou o ritmo tum-tum-tum dos corações das mulheres da casa.” - Pág. 57

Monique Malcher, diferente de outros contistas que acompanho, me ganhou pelos parágrafos iniciais, sempre impactantes, incisivos. Deixando em meu deliciado olhar de leitor uma vontade de ‘quero mais’.

“As mulheres choram muito nas alquimias, quantos pratos comeram misturados com prantos? Era uma pintora trancada no quadro que os homens desenharam.” - Pág. 74

O livro é um compilado de histórias de mulheres: filhas, mães, avós e seus relacionamentos com o mundo machista e capitalista que as cercam.

Em seu mais amplo significado ‘flor de gume’ descreve rasgos nas memórias das personagens dispostas em seus contos.

“E eu estava faminta de um cuidado, mas só tinha a violência para roer, e cheguei ao osso sem resposta nem amor.” - Pág. 103

Em tempo, como diz Jarid Arraes na orelha do livro: “flor de gume é jornada.”

É um passeio pelas crenças, ancestralidade e também na crueza que é viver humanamente.

“Desci a ladeira, nas mãos uma rosa amarela, suportei bem os espinhos.” - Pág. 114




PS. O conto ‘o barco e as cartografias da esperança’ é o meu favorito. Tocou meu coração e me arrancou lágrimas, foi certeiro nas lembranças de Mãe.


quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Entrevistando Contemporâneos & Independentes – Monique Malcher



Como a literatura entrou em sua vida?

M: Minha vó colocava miúdas flores nos meus cabelos e contava histórias para dar um jeito nas lágrimas de uma queda. Ela contava tão bem que me sentia no espaço que aquelas palavras formavam com sons e texturas. Foi para encarar e curar as primeiras quedas que a literatura - pela palavra falada - se impôs na minha jornada.



Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?

M: Ler livros sempre foi e continua sendo de grande importância, mas saber ler um rosto, uma respiração ou um silêncio entre os adultos… isso foi bem mais a leitura que foi se colocando como o carro de meu baralho. Depois fui ver na antropologia práticas que eram minhas e que me colocavam no lugar de uma criança estranha que ouve além do que lhe é permitido.



Consegue viver de literatura?

M: Hoje consigo, mas ainda não é confortável. Pago as contas e preciso trabalhar o triplo do que um trabalho com carteira assinada. É desafiador no mínimo.



Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?

M: A tentativa de apagamento de grandes mídias, existe uma resistência de concordar que uma mulher do norte pode escrever bem e ser lida. Sempre penso que basta eu ter a oportunidade de chegar nos leitores, chegando.. eu confio no caos que a palavra é capaz de fazer.



Quais são suas referências literárias?

M: São as mulheres referências hahaha. Leio muito mais poetas e escritoras. A poesia ainda é o gênero que mais leio mesmo escrevendo prosa, mas amo também as contistas. Eneida de Moraes, Olga Savary, Conceição Evaristo, Sylvia Plath, Maya Angelou… de homens posso citar Milton Hatoum, Cortázar, Raduan Nassar.



Lida bem com as críticas?

M: Muito bem quando não são capas para esconder xenofóbicas e outros preconceitos. Amo ser editada, ter o texto rabiscado, retalhado, comentado. Aprender a ser eu é o que ganho com as críticas.



Está trabalhando em algum livro no momento?

M: Estou trabalhando em um novo livro, sou rápida pra escrever, mas lenta na pesquisa, gosto muito do processo criativo e não tenho pressa de publicar. A palavra dita o tempo. Não posso falar muito sobre hahaha.



O que seria de sua vida sem as letras?

M: Provavelmente eu me mataria se não pudesse escrever.



Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:

M: A primeira escrita deve ser sem filtros, pense em um vaso, ele não nasce vaso, primeiro é um amontoado de barro feio e sem forma. Nenhum texto nasce pronto, ele precisa de seu artesão para se revelar. Anote tudo e principalmente aquilo que parece bobagem. Seja um grande pesquisador, estude tudo sobre o tema, se torne o tema. Não tenha pressa.








Monique Malcher é escritora e artista plástica nascida em Santarém, interior do Pará. Hoje reside em São Paulo. Tem um livro publicado pela Editora Jandaíra que se chama “Flor de Gume” com edição da escritora Jarid Arraes. O livro foi ganhador do prêmio Jabuti 2021 na categoria Contos. Monique também é uma das coordenadoras do Clube de Escritoras Paraenses. Mestre em antropologia (UFPA) e doutoranda interdisciplinar em ciências humanas (UFSC) pesquisando literatura e quadrinhos produzidos por mulheres. Flor de Gume foi lido por mais de 20 clubes de leitura espalhados pelo país em quase dois anos, sendo alguns do projeto Leia Mulheres e um do Memorial da América Latina.


 

terça-feira, 2 de agosto de 2022

Divulgue sua obra no VITRINE LITERÁRIA do FOLHA VITÓRIA

 




O 'Vitrine Literária' é um espaço aberto aos escritores capixabas que estão fora do grande circuito editorial e que querem divulgar e comercializar as suas obras.

O jornal Folha Vitória tem um espaço para você, escritor capixaba, que não consegue acesso às grandes livrarias e pontos de comercialização. O projeto 'Vitrine Literária' dá visibilidade às obras de escritores locais.

O espaço é uma 'vitrine' para autores do Espírito Santo. O público também tem acesso a diferentes obras e já consegue adquirir os livros diretamente com os escritores.

>> DIVULGAÇÃO DAS OBRAS <<

Quem selecionará essas obras para divulgação é o curador e poeta Henrique Pariz. O escritor poderá entrar em contato pelo telefone (27) 9 8846 4289 ou pelo e-mail (henriquepariz@hotmail.com). Depois disso, Pariz fará uma avaliação da obra.

Pariz nasceu em Linhares, no Norte do Espírito Santo. Agitador cultural, o poeta toca um projeto sobre literatura nacional e regional no Instagram @palavrasmargina_es, além de ser editor e cofundador da 'Moqueca Editorial.'

Ele lançou também o e-book "De$contos" (2020, Moqueca Editorial) com textos híbridos na Amazon, além do e-zine "Notas que trago nas entranhas", mais recente obra de poesias (2020, edição do autor).

Os critérios para divulgação no 'Vitrine Literária' são autores capixabas vivos e preferencialmente contemporâneos. O Vitrine procura escritores e autores independentes e que a literatura esteja sempre em movimento, para além da academia.

São aceitos todos os gêneros literários e também os não literários. Qualquer tipo de material: livro, livreto, Zine e afins. A literatura precisa ter sido produzida no Espírito Santo.


Conheça o VITRINE LITERÁRIA clicando aqui!

Neca+20 Poemetos Travessos (RESENHA) #SêPoesia

 




‘Neca’ é um universo a parte dentro do livro de Amara Moira.

É o primeiro texto que antecede a coleção de poemas, com uma narrativa fluida, em forma de monólogo onde a narradora nos apresenta um pouco do que vem a seguir.

Um texto seco, cruel e auto explicativo do que se passa numa noite em um corpo-travesti, quase uma síntese da [sobre] vivência desses corpos tão marginalizados.

Em uma prosa potente, forte, Amara nos empurra goela abaixo - e em poucas páginas - as gírias, a língua e a vida das pessoas trans, em sua maioria trabalhadoras do sexo, tentando uma mínima subsistência.

‘Neca’, esse primeiro escrito é sobretudo uma forma de marcar na história as desigualdades de uma ‘minoria’ e o poder da héteronormatividade sobre alguns corpos, escancarando ainda mais a hierarquia dos gêneros, mostrando também uma arma infalível contra a ignorância e a maldade humana: a palavra.

É uma aula do abismo entre a linguagem formal e acadêmica e o dialeto-vivo e patrimônio linguístico (Enem, 2018) o pajubá das travestis.

Já os poemetos travessos é formado de uma coleção de 20 poemas, alguns inéditos, curtos e bem diretos: versos do que já fora dito no texto em prosa, na primeira parte do livro.

É a conclusão Redondinha da vida da travesti expandido-se neste livro tão potente e representativo.






💙Sobre o #SêPoesia:

A Thay Fracarolli, do @galeoteca, e eu resolvemos nos juntar para um desafio ao qual nomeamos #sêpoesia , onde falaremos sobre poetas nacionais maravilhosos e obras riquíssimas ao longo do ano.

Eu com ‘Neca + 20 poemetos travessos’ de Amara Moira e a Thay com ‘Almas’ do Alan Silva.







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