"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

sábado, 25 de março de 2023

O olho de Lilith [RESENHA] #SêPoesia

 

Editora Jandaíra (2019)



“Sinto nos meus dedos o prazer de estar comigo” - Pág. 23



Houve um tempo em que as mulheres não podiam realizar seus desejos. Neste tempo, não tão longínquo assim elas também não podiam votar, nem trabalhar, elas sequer podiam amar como queriam.



“Serei sua
Sem deixar de ser minha” - Pág. 43



‘O olho de Lilith’ é uma antologia organizada por Mika Andrade, através do selo FERINA (da Jandaíra) por sua vez tendo a curadoria de Jarid Arraes, que une onze poetas cearenses para falar de amor, desejo, sentimentos: tudo o que elas não podiam falar elas escracham neste livro abusado.



“erótica é a forma
como o vento assanha
teus cabelos
na praia” - Pág. 77



‘O olho de Lilith’ incomoda, é uma obra que nasce com a intenção de dar voz à essas mulheres, que ao versarem sobre determinados temas acabam movendo uma engrenagem num sistema machista-patriarcal a muito enferrujada: a liberdade.




“abre as pernas e toca:
xota molhada: xoxota
incessante movediça
os dedos banhando os rios
a erudição se rende aos gemidos liquefeita
rompe o silêncio do mundo.” - Pág. 121



“Este livro não é só mais um livro; ele ultrapassa esse conceito de objeto. Ele se torna um manifesto poético sobre nossos corpos e, “enquanto conquisto cada espaço de carne miúda em mim”, amplio meus sonhos para que cada vez caiba mais mulheres dentro.” – trecho da Apresentação por Mika Andrade. (Pág. 08)




📚💙 Eu e a Thay do @galeoteca nos juntamos para continuar a falar sobre poetas massa e suas obras riquíssimas ao longo de 2023. Eu li ‘O olho de Lilith’ - antologia organizada por Mika Andrade e Thay resenhou ‘Elegia do corona’ de Carlos Fonseca




Bora Sê Poesia com a gente?!




A #SêPoesia é para mostrar poetas do Brasil, você tem alguma indicação? Diz aí.




Gostou de conhecer a antologia? Já conhecia? Me conta também.




✨ Depois daqui vai no IG da @galeoteca e confira o poeta indicado: você vai adorar!


quarta-feira, 15 de março de 2023

Azul da Prússia (RESENHA)

 

Azul da Prússia, Olivia Avelar (Editora Folheando, 2023)



Um tom de azul que descreve sobre a beleza da passagem do tempo. Entre poesias rimadas ou não, uma prosa poética certeira e lívida, Olivia nos convida a navegar nas incertezas que compõem a vida.

“Palavras escondidas se desfaçam de silêncios.” - Pág. 17

‘Azul da Prússia’ é um livro franco na suas indelicadezas, daquelas que “mordem e assopram”, nos assustando mas também nos levando às intenções dos dias na ponta de cada lufada do tempo. O livro é dividido em três partes (MMXVI, MMXVII, MMXVIII) e com poemas inominados.

“A fumaça que sobe é feita de saudade poluída ou de sonhos frágeis destruídos pela vida?” - Pág. 31

A obra é uma prosa de esquina, conversa longeva da palavra com o passado, presente e vislumbres de um possível futuro. Ou ainda, como a própria autora diz em um de seus versos, é “um mar eterno”. (Pág. 23)

É um diálogo breve e íntimo, que busca a profundeza dos sentimentos, ‘Azul da Prússia’ é uma rota marítima para aquelas leitoras e leitores sem receio do risco.

“A maré alta intensa vida. Saudade é memória líquida. O que um dia sentimos nunca termina.” - Pág. 37

Olivia Avelar escreve sobretudo sobre as marcas que ficam quando passamos pela areia da praia - vida -, deixando pegadas que serão lavadas pelas horas, mas jamais pelo tempo. É uma escrita das impossibilidades e de permanecer momentos no toque da memória.

“Somos feitos de tudo que deixamos.” - Pág. 39

Por fim o livro trata das dores, da morte, de aceitar-se e aceitar que as cicatrizes são belas quando nos entregamos ao detalhe de cada traço em nossa pele.

“[…] o frio é domínio dos mortos, a nós cabem os amores.” - Pág. 51

PS. Tempestades sepultam versos desavisados.

quarta-feira, 8 de março de 2023

Sombras dançam neste incêndio (RESENHA)

 

Sombras dançam neste incêndio - Antologia Poética (Editora Oca, 2020)



“Só acredito em poeta experimental que tenha vida experimental.” - Roberto Piva

O livro ‘Sombras dançam neste incêndio’ tenta traçar em panorâmica a vida poética deste escritor que estava sempre se reinventando, desde ‘Paranoia’ (1963) até ter a sua obra reunidas em três volumes pela Editora Globo (entre 2005/2008), antes de seu suicídio aos 72 anos de idade em 2010.




“[...] o leitor é um
puto
o leitor quer dar
& tem medo
o leitor é um hipócrita
irmão de Baudelaire” - Pág. 70




“vocês lerão agora a poesia de um jovem que tem vinte e três anos porque não teve coragem de matar-se aos quinze por isso arrasta-se pelo mundo sem Deus nem Amo pregando todas as violências contra a sociedade negociante[…] recomendando a juventude ser contra os policiamentos interiores e exteriores achando que o cristianismo deve suicidar-se” - Pág. 8

O poeta trabalhava uma linguagem livre sempre com analogias entre céu e inferno, sagrado e profano, que era considerada anti-poética na época. Tem também em algum de seus poemas temáticas homoeróticas e imagética, com visíveis referências da poesia beat norte-americana.




“[...] sou um navio lançado ao
alto-mar das futuras
combinações” - Pág. 82




“Fazer uma leitura crítica da poesia de Piva sem considerar o seu diálogo direto com o modernismo brasileiro não é apenas uma simplificação ou distorção, mas também um grave erro que impede a compreensão da riqueza de sua obra.

Piazzas’, um de seus livros trazia um tom diferente, mas fragmentário, com versos curtos entrecortados [...] buscando inovar na linguagem e no ritmo. Piazzas trocava o ritmo frenético dos versos livres e longos do livro anterior por poemas espaçados, em formato de escada[...]” - trecho da apresentação (Pág. 13)




“Nunca mais levei a sério
nada a não ser os corpos.” - Pág. 89




Vi algumas críticas na internet a respeito deste livro, alguns erros de português, concordâncias e afins por parte da editora, porém recomendo super pra quem quer conhecer o autor pois o livro consegue captar bastante da essência da poesia de Piva.

Pra quem gosta de conhecer mais da obra do autor para além do livro tem coisas sobre ele no audiovisual: Roberto Piva foi um dos protagonistas do documentário ‘Uma outra cidade - poesia e vida em São Paulo dos anos 1960 (2001, ao lado dos companheiros de geração) e também foi tema do documentário ‘Assombração urbana' (direção de Valesca Dios, 2004); esse último eu vi e adorei.




“[…] pelas calçadas crescem longos delírios” - Pág. 39


segunda-feira, 6 de março de 2023

Entrevistando Contemporâneos & Independentes – Sam Caetano

 




Como a literatura entrou em sua vida?

Sam: A literatura faz parte da minha vida desde a infância, partindo do momento em que minha mãe pegava livros emprestados em bibliotecas públicas e levava para que eu lesse. E como tinha prazo de entrega, passei a ler vários por mês, assim nunca mais parei. A escola também teve influência nesse meu processo de leitora, sempre nos levando para a biblioteca da instituição, criando nossa conexão com a leitura e escrita.



Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?

Sam: A leitura teve grande participação na minha descoberta pessoal como escritora. Passei a ver a escrita como um refúgio, um abrigo, um lugar seguro, e para que a escrita exista, alguém antes teve de ter a coragem de escrever algo. E eu sempre pensei, mesmo que fosse um sonho distante de realizar, que algum dia eu poderia ser a pessoa que seria lida por outras pessoas, não só ficar assistindo a literatura acontecer.



Consegue viver de literatura?

Sam: Falando sobre área profissional, eu ainda preciso viver de outros meios artísticos, que de toda forma se relacionam e se integram. Costumo falar que vivo da arte, não tenho pra onde fugir. Além de escritora, sou dançarina, professora de dança e formada em audiovisual. Estou desde sempre inserida na arte, mesmo quando ela ainda ñão me dava retorno financeiro. Porém, falando de literatura em si, me identifico muito, viveria facilmente lendo e poetizando por aí, mas por enquanto escolho andar abraçada com os multiformes meios artísticos dos quais também compõem quem sou.



Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?

Sam: Sou escritora poética, e sinto que o público é ainda mais seleto do que se eu escrevesse ficção ou algo do tipo. Eu, inclusive, passei a ler livros de poesia e de poetas nacionais a poucos anos, e entendo até essa estranheza que a escrita real e cotidiana causa. Tem o lado da banalização, como se escrever tivesse que ser sempre algo enfeitado, cheio de magia, personagens e capítulos. E um livro de poesia foge totalmente dessa ideia, ao mesmo tempo, mostra as facetas do autor, ou seja lá quem o livro descreve, de forma lúdica, transmitindo a quem lê o poder da interpretação própria, se retirando desse lugar de entregar algo mastigado. Então, uma das minhas maiores dificuldades, é ser vista como pessoa poeta. Como, acima de tudo, alguém tentando gritar tudo que habita na alma, no intuito de dizer “olha, sou ser humano também, sinto o que você sente” e acalentar corações alheios.



Quais são suas referências literárias?

Sam: Me disseram que clichê é algo que funciona, então lá vai. Cresci lendo O Pequeno Príncipe, e quando digo que cresci, é literal. Reli esse livro diversas vezes e a partir disso consigo a proeza de conectar qualquer acontecimento da vida com alguma metáfora do livro. Eu lia muitos contos literários, e jurei que meu primeiro livro seria nesse gênero, aliás. O último que li antes de lançar meu livro foi O mundo de cá, de Juane Vaillant (artista capixaba). Gosto muito de Ni Brisant também, que vai de poesia até contos, foi presente de um amigo poeta que me deu cerca de três livros desse mesmo autor. Fiquei apaixonada.



Lida bem com as críticas?

Sam: Depende do dia. Tem vez que estou segura a ponto de nada me abalar, parte disso é graças a um processo de me desprender da validação alheia. E também tem dias que comentários não construtivos impregnam nos meus pensamentos e passo o dia pensando naquilo, mas nunca cheguei a desistir por críticas.



Está trabalhando em algum livro no momento?

Sam: Sem pressão, mas sim! Estou sempre com algo em mente, minha criatividade não para.



O que seria de sua vida sem as letras?

Sam: Desde mais nova, quando escrevia na agenda da escola durante o intervalo, eu dizia que a escrita é parte de quem sou. Então, eu não seria tão eu se me podassem as letras, me tirassem as palavras e não existisse mais a poesia.



Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:

Sam: Crie hábito em prestigiar outros escritores. Acredito que crescemos mais quando nos unimos. É importante também ter foco, tirar a escrita do âmbito do comodismo, buscar se aperfeiçoar sempre, lendo e escrevendo com hobby também. Não se cobrar tanto. Se hoje há bloqueio criativo, amanhã podem surgir grandes ideias. O tempo leva tempo. Ser seu maior fã, mesmo que a modéstia seja algo louvável. Acreditar em si vem a partir da ideia de crer que você merece estar no espaço que almeja ocupar. Vá com fé e sem medo!






Sam Caetano, tem 21 anos, além de ser escritora poeta é bailarina e professora de dança, é também formada em rádio e televisão. Faz arte e vive sendo artista desde sempre, frequenta diversos espaços culturais e cria laços com tudo que há de ser expressão.  
Instagram: sam_ideia