"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

sábado, 22 de abril de 2023

Heloisa Buarque de Hollanda é eleita para a Academia Brasileira de Letras

 

A escritora e crítica cultural vai ocupar a Cadeira 30, que era da escritora Nélida Piñon





Heloisa Buarque de Hollanda nasceu em Ribeirão Preto (SP), em 1939. É escritora e professora de teoria crítica da cultura na UFRJ, onde coordena o Programa Avançado de Cultura Contemporânea, o projeto Universidade das Quebradas e o Fórum Mulher e Universidade. É autora e organizadora de muitos títulos, como Tendências e impasses (1994) e Explosão feminista (2018).

‘Poesia marginal’

A antologia 26 Poetas Hoje, organizada por Heloisa Buarque de Hollanda, foi lançada em 1976. Nessa coletânea está a chamada “poesia marginal dos anos 70”.

26 Poetas Hoje, na época do seu lançamento, causou polêmica e recebeu críticas por todos os lados: a Academia Brasileira de Letras, por exemplo, não conseguia ver nada além de um simples valor “sociológico” naqueles “sujos” e “pornográficos” versos produzidos por ilustres desconhecidos.

A ‘geração do mimeógrafo’

O termo “marginal” foi cunhado pela própria Heloisa, organizadora da antologia, e não remete à noção de fora-da-lei, como poderia supor o leitor mais desavisado. Na verdade, ele se aplica a autores que tinham dificuldade para emplacar suas obras em editoras de grande porte. Não é à toa, portanto, que eles foram imortalizados pela expressão “geração do mimeógrafo”, já que se valiam dessa máquina para levar ao público consumidor, de forma ágil e barata, livros de pequena tiragem bancados por conta própria.

Entretanto, 26 Poetas Hoje é emblemático porque fez justamente o contrário: abriu as portas do mercado editorial para a maioria dos que participaram da antologia. Além disso, “marginal” era aquele que traduzia em versos de postura anti-intelectual os problemas do seu cotidiano, revelando sintonia com as mudanças políticas e comportamentais por que passava o país. O momento era de repressão e censura impostas pelo governo militar, mas também se caracterizava pela assimilação da cultura pop, que o tropicalismo de Caetano Veloso e Gilberto Gil ajudou a introduzir.

A ABL teve que deitar

A escritora e crítica cultural vai ocupar a Cadeira 30, que era da escritora Nélida Piñon. Ela recebeu 34 dos 37 votos.

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Entrevistando Contemporâneos & Independentes – Deane Monteiro Vieira

 




Como a literatura entrou em sua vida?

Deane: Aprendi a ler por volta dos meus 5 anos de idade, em virtude da alfabetização da minha irmã mais velha. Gostava de competir com ela por meio dos saberes alcançados. Jamais lhe deixei alcançar o nível mais elevado, sem que eu estivesse grudada nela. E, foi deste desejo, que lia sem parar, e que peguei o gosto por conhecer histórias arrebatadoras que mexiam com o meu coração, com a minha mente e com a minha alma.

Um dos primeiros livros que li em minha infância que sacudiu a minha existência, foi o “O meu pé de laranja lima” de José Mauro de Vasconcelos. Trata-se de um enredo muito profundo que destacava a amizade subjetiva e fantasiosa de um menino com uma árvore, que foi capaz de matar a solidão do menino e a minha, mesmo estando acompanhados em família.

Depois, parti para as obras de Monteiro Lobato e me encantei com a sagacidade de Emília, uma boneca falante. E, mais tarde, vieram os títulos da coleção Vaga-lume da Editora Ática e o preenchimento das folhas didáticas com as perguntas sobre cada livro, que passei a ter mania em respondê-las.

Vale ressaltar, que vi de uma família de camada popular - com pouco acesso a literatura no interior do meu lar, exceto a leitura da Bíblia feita por meu pai - e que nas escolas públicas que passei era inexistente o lugar que chamamos de biblioteca.

No entanto, motivada pelo meu desejo interno de leitura para aquisição dos saberes, que já comentei acima, sempre procurei meios para que pudesse ler os títulos que queria, como por exemplo, pedir emprestado aos meus amigos, aos meus professores ou mesmo, comprar com dinheiro que recebia das aulas particulares dadas na escola em que criei na garagem do meu pai, até os meus 15 anos.



Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?

Deane: Foi na condução do entendimento da ambivalência e da contradição das vidas dos personagens que se igualava a minha vida interior. Descobri pela literatura que ninguém é uma coisa só. E, que inclusive o autor, perde o controle dos seus personagens quando os publica. De modo, que é na polifonia da leitura e da escrita que a humanidade pode testar o seu espírito democrático e livre.



Consegue viver de literatura?

Deane: Consigo viver da literatura, como já disse, porque ela funciona para mim, como um alimento para a minha alma, no entanto, economicamente, como sou uma escritora independente com o respectivo selo “Editora NarraTiana”, além da escrita diária, preciso divulgar e vender os meus títulos, que ainda só pagam os custos com a publicação. Nunca participei de nenhum incentivo ou fomento cultural porque a burocracia me adoece muito internamente. Como minha saúde mental não anda muito bem nos últimos anos, e caso você queira saber os motivos disso, indico o meu vídeo postado no Youtube de nome “Texto-testemunho de uma professora burnoutada”, que esclarece porque tenho poupado minha mente da grande gaiola invisível, que é burocracia e o controle estatal sobre os produtos culturais, que podem minar a criatividade dos artistas e escritores por conta do engessamento dos editais.



Quais são suas referências literárias?

Deane: Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade e Elena Ferrante.



Lida bem com as críticas?

Deane: Ainda não as recebi de modo formal.



Está trabalhando em algum livro no momento?

Deane: Sim. Com os meus mini romances e outros escritos paralelos.



O que seria de sua vida sem as letras?

Deane: Seria uma vida morta e sem respiro diante da exaustão do repetir da vida.



Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:

Deane:

E.S.C.R.E.V.A.

E.S.C.R.E.V.A.

E.S.C.R.E.V.A.

E.S.C.R.E.V.A.

E.S.C.R.E.V.A.

N.U.N.C.A

P.A.R.E

D.E.

E.S.C.R.E.V.E.R





Historiadora, professora doutora e poetisa social de si, que abusa da primeira pessoa do singular para construir as suas escritas terapêuticas que podem ser lidas no perfil @dor_arte_profa. Em seu canal NarraTiana no YouTube, pode ser encontrado o vídeo “Texto-testemunho de uma professora burnoutada” que tem ajudado as pessoas que experienciam o convívio com a Síndrome de Burnout e a depressão, em se posicionarem pela luta por políticas de reparação com a saúde mental dos trabalhadores.


sábado, 1 de abril de 2023

Mais uma riqueza explorada (RESENHA)

 



“[…] decidi que este lugar é podre até a medula. Quero cair fora.” - Pág. 135

Este livro foi o primeiro de autoria norte-americana que eu li em 2023, livro esse que ampliou minha visão sobre o domínio americano pelo mundo, sobretudo em um país como Porto Rico: pouco conhecido e estudado por aqui.

“Havia algo de estranho e irreal em toda atmosfera daquele mundo onde eu acabara indo parar. Era divertido e ao mesmo tempo vagamente depressivo. Ali estava eu[…] correndo por uma cidade semilatina[…] e tudo acontecia na velha e fascinante ilha de Porto Rico, onde todos gastavam dólares americanos, dirigiam carros americanos e ficavam sentados ao redor de roletas, fingindo estar em Casablanca.” - Pág. 60/61

No livro acompanhamos Paul Kemp, alter-ego do escritor Hunter S. Thompson, um jornalista enviado dos Estados Unidos para trabalhar em um jornal a beira da falência em Porto Rico.

“[…] o Departamento de Estado dos EUA chamava Porto Rico de propaganda dos Estados Unidos no Caribe - a prova viva de que o capitalismo pode funcionar na América Latina.” - Pág. 92

Ao chegar em Porto Rico Paul se vê em meio à uma crise - que afeta diretamente o poder de compra do povo já que a inflação dos impostos em Porto Rico está altíssimo -, além de que o mote do romance é a “industrialização” e o crescimento hoteleiro no local, sobretudo de empresas norte-americanas “colonizando“ mais uma ilha onde descobriu-se o poder de sua extensão de terra.

“Se eu fosse você, ficaria longe da cidade. Os nativos ficam meio enlouquecidos. As melhores festas acontecem nos barcos. A turma dos iates faz seu próprio carnaval.” - Pág. 154

Só pra contextualizar, Hunter Thompson escreve um estilo de literatura inventada por ele chamada ‘gonzo', onde o repórter (o que ele foi por muito tempo na vida) vive a sua própria reportagem. Vemos em ‘Rum: diário de um jornalista bêbado’ a influência desse conceito o que torna uma viagem muito pessoal, apesar de fatos históricos estarem permeando todo o texto; o autor trabalha muito bem a estrutura da ficção diferente do freestyle dos textos gonzo.

“Passei praticamente o dia inteiro na biblioteca, fazendo anotações sobre antigas investigações anticomunistas[…]” - Pág. 214

Os temas mais recorrentes no livro são a pobreza, o controle da mídia, da moeda, animalização dos ‘nativos’, racismo do povo porto-riquenho e o discurso anticomunismo pesado.

“Quando o sol ficava realmente escaldante, queimava completamente todas as ilusões, e eu enxergava o lugar como ele era - vulgar, triste e berrante. Nada de bom poderia acontecer por lá.” - Pág. 237

O que eu mais gostei no livro, além das personagens e da boa narrativa - um texto fluido - foi enxergar que o povo não cedeu ao Inglês. Que a única coisa que os americanos não conseguiram colonizar em Porto Rico, a coisa mais significativa e simbólica da luta de um povo ao meu ver, foi a língua deles.

“Que direito você tem de vir até aqui, causar um tumulto e exigir que falemos sua língua?” - Pág. 113