"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

quinta-feira, 4 de maio de 2023

‘Alguns trocados’: ‘Contos de Réis’ de Lacy Ribeiro (RESENHA)

 



Lacy é fruto da ditadura, chegou em Vitória em 1964, vinda de barra de São Francisco e muito do que lemos em seus textos são relatos de um período de censura e repressão.

Este é seu segundo livro, o primeiro de contos, lançado em 1986, Cátedra Editora (SP) gênero que a consagraria anos mais tarde. ‘Contos de Réis’ é uma seleção de contos e minicontos que grita, delata e escreve contra a tirania da época.

"De longe, podiam-se distinguir a silhueta do cão que abanava o rabo enquanto o amigo lhe afagava a cabeça, e o semblante do homem, refeito por aquela muda confissão de afeto." - Pág. 48   

Junto de Milson Henriques, Amylton de Almeida, Waldo Motta, Fernando Tatagiba, entre outros escritores da década de 80, Lacy Ribeiro integrava a ‘geração marginal’ no Espírito Santo.

Lacy foi assassinada brutalmente Janeiro de 2013 aos 64 anos.

Lacy Ribeiro em seus ‘Contos de Réis’ dá voz sobretudo aos corpos marginalizados, dando o devido protagonismo. Em seus textos enxergamos os meninos de rua, travestis, ambulantes, prostitutas, pedintes, homens e mulheres a margem.

"- O que mais me impacienta são estas moscas... como são imediatistas!" - miniconto 'O moribundo' - Pág. 75

Lacy escreve de forma certeira sobre a crueza da vida, uma escritora que captou vários tipos de personagens das ruas por onde passava. No fim das contas - e de cada conto - ela descreve com precisão de detalhes a desumanização de muitos e a humanidade de poucos.

O amigo, escritor e jornalista, Fernando Tatagiba escreveu: “seus contos certamente revolverão o espírito do leitor lhe deixarão, no canto da boca, um travo de terror, espanto e revolta diante das diversas formas de injustiças sociais.”

A escritora traz também a tona a hipocrisia da ‘tradicional família brasileira’, escancara a verdade do ‘pai exemplar’ que trai a esposa com seu amante jovem, e critica a burguesia, o capitalismo e o patriarcado da sociedade.

Apesar de ser um livro curto, de apenas 75 páginas, é uma obra densa, pesada, e que trata de assuntos pouco explorados antigamente. Textos que são hoje essenciais em rodas de discussões, clubes de leituras, não é um ilvro vazio, pelo contrário, tem muito a agregar na atualidade.

Alguns contos em tons de deboche e ironia ditam o ritmo da leitura, obra considerada “excessivamente realista, crua, às vezes sem ser fácil ou malcuidada” por Francisco Aurelio Ribeiro (AEL, estudioso da literatura feita no Espírito Santo). Textos zombadores da ditadura militar, da burguesia local e até mesmo dos artistas, que se isentavam das discussões importantes que ela (Lacy Ribeiro) traz no livro.

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