"a-maior-função-do-homem-no-mundo-é-transformar-se-em--literatura" - Reinaldo Santos Neves

sábado, 30 de abril de 2022

Protesto (RESENHA) #SêPoesia

 



“Tantos sonhos de asas quebradas pelos cantos[...]” - Pág. 27


Não espere menos que ‘protesto’ deste livro do paulista Carlos de Assumpção.

Aqui dentro destes versos - o que eu chamo de literatura de movimento - o poeta desagrilhoa a liberdade, escancara as revoltas de todo um povo.

Uma leitura fluida, mas nada leve, pelo contrário; muito pesada, mas necessária. Um livro cheio de reflexões importantes.

“Senhores
Eu fui enviado ao mundo
Para protestar
Mentiras ouropéis nada
Nada me fará calar” - Pág. 40


Mas nem só de protesto se vive o poeta que traz também poemas sobre empoderamento, ancestralidade e representatividade. Carlos é sem dúvidas, pra mim, um dos maiores representantes da literatura contemporânea. Um grande exemplo aos que trabalham com as palavras em 2022 no Brasil.

“Há muitas histórias
Sobre os meus avós
Que a história não faz
Questão de contar” - Pág. 52

Protesto é um livro ritmado que canta seus versos de luta, de amor, de história. Afinal são mais de 500 anos de batalha. Carlos expressa também suas crenças, seus deuses e só seus - não os ‘mascarados’ - e seus heróis.

“Eu trago quilombos e vozes bravias dentro de mim[...]” - Pág. 91

No livro é onde cresce a liberdade, em poemas fortes e bem regados, florescendo na mente do leitor a possibilidade e o querer unificar-se.

Cultura popular e linguagem oral estão muito presentes no livro: eles também são marcas históricas que o autor destaca em seus textos, são palavras que saem de suas veias e que ele fez questão de nos mostrar.

“De repente precisaram de braços que construíssem esse país[...]” - Pág. 71

Mas no fim o lembrete que fica ao ler o livro é:


“sou irmão de todo mundo
todo mundo é meu irmão
mas o racista não
o racista não é
meu irmão” - Pág 123




A Thay Fracarolli, do @galeoteca, e eu resolvemos nos juntar para um desafio ao qual nomeamos #sêpoesia , onde falaremos sobre poetas nacionais maravilhosos e obras riquíssimas ao longo do ano.


Eu com ‘Protesto’ de Carlos de Assumpção e a Thay com ‘Dissonâncias’ do @rochadavidr .


#SêPoesia #DavidRocha #CarlosDeAssumpcao #LiteraturaBrasileira #Literatura #Livros #Poesia


quinta-feira, 21 de abril de 2022

Morango e Chocolate / Fresa y Chocolate (Indicação de filme) Cubano

 



O filme é uma adaptação do romance cubano de Senel Paz, ‘O lobo, o bosque e o homem novo’, de 1994: um clássico latino-americano.

David (Vladimir Cruz, à esquerda na foto), um rapaz universitário, comunista, que tem consciência o tempo todo de que está tendo a oportunidade de fazer faculdade graças à revolução cubana, aproxima-se de Diego (Jorge Perugorría, à direita na foto), um sujeito que é a essência de tudo o que o regime condena: homossexual assumidérrimo, defensor arraigado do direito básico de não seguir a cartilha imposta pelos donos do poder, do partido único, crítico inabalável do governo de Fidel, leitor e admirador de escritores estrangeiros que não seguem o modelo traçado pelo socialismo cubano.





A partir daí se tem o arco principal do filme, também bem trabalhado no livro de Senel, onde os personagens vão desnudando uma revolução e as ações de seus integrantes – pessoas comuns com dilemas comuns – mostrando alguns preconceitos ainda latentes em uma sociedade machista e patriarcal.

O filme teve como roteirista o próprio Senel Paz o que, na minha opinião, trouxe uma das melhores adaptações que assisti de filme sobre o livro até agora. É muito fiel ao romance do cubano.

Morango e Chocolate chegou a ser indicado ao Oscar – teve 23 prêmios ao redor do mundo incluindo o Prêmio Goya de Melhor Filme Ibero-Americano.



“[...] porque nós, os tímidos, somos assim: quando nos soltamos somos brilhantes.” – Senel Paz (O lobo, o bosque e o homem novo, pág. 64)




quarta-feira, 20 de abril de 2022

Aqueles dois (Indicação de filme) Brasileiro

 




O conto Aqueles dois, de Caio Fernando Abreu, conta a história de Raul e Saul, colegas de trabalho que encontram na amizade que sentem um pelo outro a companhia necessária ao preenchimento de suas decepções amorosas, de suas frustrações sociais e de uma rotina de trabalho enfadonha. Os protagonistas de Aqueles dois parecem buscar, ainda que inconscientemente, a sua metade faltante ou “alma gêmea”, acabando por encontrá-la.


No texto não é explícita a relação homoerótica.
Ela é apenas sugerida, mas a intolerância e crueldade são os mesmos agentes, em defesa dos bons costumes.

Do conto surge o filme, homônimo, lançado em 1986 e dirigido por Sergio Amon: tão sensível e cru quanto o texto de Caio. Mostra um sentimento crescendo entre os amigos até um desfecho bem pensado, um filme redondinho.

Uma película bem produzida e recomendadíssima.
O filme é vencedor de vários prêmios, entre eles Rio-Cine-Festival como Melhor filme.

Baseado nessa história de amizade ou de amor entre Raul e Saul, a Companhia de teatro mineira Luna Lunera encenaram o espetáculo Aqueles Dois, em 2020 no ES, adaptação do conto do qual estou ansioso por encontrar na internet pra assistir.



Uma “história de aparente mediocridade e repressão”, assim o escritor Caio Fernando Abreu (1948-1996) começa o conto Aqueles Dois, publicado originalmente no livro Morangos Mofados (1982).


Seleção de novos Acadêmicos

 




A Academia de Letras de Vila Velha (ALVV) torna público que está aberto o processo eletivo para o preenchimento de seis cadeiras vagas para Acadêmicos Efetivos. Para mais informações de como concorrer, leia o edital, acesse o site www.alvv.org e realize os procedimentos solicitados na aba “Edital – seleção 2022”.

terça-feira, 19 de abril de 2022

Entrevistando Contemporâneos & Independentes – Getúlio Marcos Pereira Neves

 




Como a literatura entrou em sua vida?

G: Meu pai era advogado, minha mãe professora, então tínhamos uma grande biblioteca em casa, não só de livros técnicos, referentes às ocupações deles, mas também de Literatura. Comecei, como os da minha geração, lendo Júlio Verne e Monteiro Lobato; daí para Mark Twain, J. Fenimore Cooper, Alexandre Dumas, Emilio Salgari, e, entre outros, o brasileiro Francisco Marins. Lembro-me de que a série de Marins “Trilogia dos Martírios”, sobre a busca da Serra das Esmeraldas no interior do Brasil, me fez muita impressão na época. Paralelamente a isso, os quadrinhos, especialmente Tarzan, Fantasma, Príncipe Valente, Pato Donald e Mortadelo & Salaminho.



Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?

G: Pode se tratar de lugar comum, mas sem leitura não se escreve. Ou, não sendo bom leitor, não será bom escritor. Desde a gramática à sintaxe, até a atitude pessoal de abertura a novas ideias e o desenvolvimento de uma visão própria de mundo, tudo isso é no mínimo facilitado, se não, de fato, proporcionado, pela leitura. Por isso também a necessidade de se planejar o que se lê. Ou, ao menos, tornar-se um leitor consciente.



Consegue viver de literatura?

G: De escrita, pura e simplesmente, creio que muito poucos conseguem. No entanto, há atividades ligadas à Literatura, como a edição de textos, a realização de cursos e palestras, a tradução e outras, que proporcionam um entorno à atividade do literato e permitem, sim, que se viva da(s) atividade(s). No meu caso, sou magistrado, e a Literatura complementa a minha atividade, não fosse ela desenvolvida na sua maior parte por meio da expressão escrita. Mesmo a criação literária propriamente dita, a ficcional e a poética, acabam interagindo com a atividade profissional, influenciando e sofrendo influência dela, seja em temas a serem explorados, seja no estilo de redação, por exemplo.



Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?

G: Existem aquelas de caráter mais geral, como a deficiente formação de leitores, muito mais dificultada hoje em dia pelo apelo ao audiovisual, ou a ideia de que um livro se trata de produto supérfluo, longe de constituir prioridade num orçamento pessoal ou familiar já apertado. Particularmente no nosso ambiente, acrescem-se a essas o problema da divulgação e da distribuição. Mesmo as editoras locais/regionais, que publicam a maioria dos nossos autores, contam somente com as redes sociais para divulgação do seu produto. Livrarias estão virando coisa do passado, e a venda pela internet, que ganhou musculatura com a pandemia, depende de organização do tipo empresarial para não se sucumbir às exigências que regulamentam a atividade. É necessário que se organize por aqui uma rede de distribuição eficaz, o que, aliás, se vem pretendendo fazer há não pouco tempo.



Quais são suas referências literárias?

G: Penso que há referências que integram um fundo comum, por constituírem espécie de pilares da cultura literária. Refiro-me a um Homero, um Cervantes, um Dante, um Camões, um Balzac, um Dostoievski. Particularmente refiro Camilo Castelo Branco, Machado de Assis, Eça de Queiróz, Joseph Conrad, Josué Montello, Jorge Amado, Emily Bronte, Manoel Bandeira, Carolina Nabuco, Renato Pacheco, Reinaldo e Luiz Guilherme Santos Neves. Tenho lido muito ultimamente o espanhol Arturo Pérez-Reverte, o carioca Alberto Mussa e um escritor cabo-verdiano chamado Germano Almeida, cujas temática e estilo percebo que acabarão por me influenciar de alguma maneira. Ainda entre os contemporâneos, a escrita doce das nossas damas-da-pena Bernadete Lira e Neida Lúcia Moraes e a lírica de Matusalém Dias de Moura. Procuro manter-me atualizado com os catálogos das editoras locais, que cavam muita coisa interessante entre os novos autores do Espírito Santo.



Lida bem com as críticas?

G: Numa certa altura da vida conseguimos discernir quando as críticas, que são inevitáveis pelo simples fato de realizar-se algo, têm um qualquer fundo pessoal. Estas não me interessam. As que se referem à atividade em si, ou o seu produto, devem ser ouvidas e meditadas, no interesse do constante aperfeiçoamento, pois na maior parte das vezes nos ajudam a enxergar as coisas de uma outra maneira. Claro, trata-se de um exercício árduo, muitas vezes até de ascese rs



Está trabalhando em algum livro no momento?

G: Paralelamente à escrita de uma tese de Doutorado tenho no notebook um texto ficcional que ainda não se decidiu se se tratará de novela ou romance. Tenho coligido crônicas, a maioria inéditas, que devem ser reunidas futuramente num volume para publicação. Vamos ver o que me permitirá a agenda.



O que seria de sua vida sem as letras?

G: Creio que me tornei no que sou graças às letras. Desde as composições na banda Urublues, que integrei e para que escrevia canções, até a expressão atual dos meus dias. Como disse, minha atividade profissional se consolida, na sua maior parte, por meio da palavra escrita. Ademais, um número significativo das minhas amizades se movimenta no meio literário, e atualmente (máxime nesses tempos de pandemia) grande parte do meu lazer está ligado a elas.



Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:

G: Leia, leia, leia. Só depois comece a escrever. Então sente e escreva. Releia o que escreveu. Corte. Reescreva. Leia para alguém. Reescreva. Corte. Releia. Desapegue e finalize. Vá descobrindo o que funciona para você nesse processo de produção: a necessidade ou não de planejamento da trama, a fixação de uma meta a ser alcançada por dia de trabalho, o estabelecimento de uma rotina de escrita. Crie seus próprios rituais de escrita. E, na medida do possível, procure frequentar grupos de criação e de discussão literária. Boa sorte.






 

Getúlio Marcos Pereira Neves (Rio de Janeiro, 1964). Magistrado e escritor. Doutorando em História pela Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Lisboa. Criado em Colatina/ES, às margens do Rio Doce, reside em Vila Velha/ES. É membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Ocupa a cadeira 33 da Academia Espírito-santense de Letras e a de mesmo número na Academia de Letras de Vila Velha. Integra como associado os quadros do PEN Clube do Brasil. Membro correspondente de vários institutos históricos e geográficos estaduais e de várias academias municipais de letras do Espírito Santo. Detém a comenda Rubem Braga do Governo do Estado do Espírito Santo por sua contribuição à cultura capixaba, e a de mesmo nome da Assembleia Legislativa do Espírito Santo por sua atividade literária. Ultimamente vem escrevendo com regularidade para o Jornal de Letras, do Rio de Janeiro. Além de títulos sobre Direito e História, tem também publicados: Blues, Sonetos e Canções (2005); Estudos de Cultura Espírito-santense, I (2006) e II (2016); Memória Repartida (2014); Périplo a Norte de Tudo (2017); Manhosa Escrita: Miguel Depes Tallon - Vida e Obra (org. 2017); Breves Notas Quase-literárias (2019) e Poemário-Mirim de Pertinências Várias (2020).

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sábado, 16 de abril de 2022

Admirável Memória Nova (RESENHA de não verás país nenhum)

 



“Inexplicável como tudo hoje em dia.” - Pág. 36

Antonio Candido, em um artigo sobre a nova narrativa brasileira, apontou: ‘Realismo feroz’, em 2006. Como eu queria dizer o contrário 40 anos após o lançamento desta obra, tão real que foge a qualquer fazer literário.


“O inexplicável horror

de saber que

a vida verdadeira.” - epígrafe de Fernando Pessoa, em O horror de conhecer


‘Não verás país nenhum’ narra a trajetória de Souza que, ao descobrir um buraco na sua mão, vai desnudando os sintomas de um país em fase terminal.

“Melhor viver um dia só, sem fim. O que tiver de acontecer, é dentro dele.” - Pág. 23

O Brasil de Souza sofre com aquecimento global, escassez de água e comida, desvalorização da moeda e consequentemente mão-de-obra barata, e ainda pior trabalho análogo à escravidão. Além de censura, tortura e etcétera.

“Um país subdesenvolvido vivendo em clima de ficção científica. Sempre fomos um país incoerente, paradoxal. Mas não pensei que chegássemos a tanto. O que há em volta de São Paulo? Um amontoado de acampamentos. Favelados, migrantes, gente esfomeada, doentes, Molambentos que vão terminar invadindo a cidade. Eles não se aguentam além das cercas limites. Não há o que comer!” - Pág. 117

O livro possui parágrafos curtos que, na minha opinião, facilitam a leitura deixando o texto fluido, mais rápido. Vejo muito da história do Brasil - visto que Ignácio também é jornalista - entrelaçadas nas páginas de ‘não verás’.

“Se as pessoas quisessem, haveria possibilidades. Não há querer, ninguém vê nada. Todos tranquilos, aceitam o inevitável. Os jornais não dizem palavra. Calaram-se aos poucos. Mesmo que falassem, não têm força nenhuma. A televisão está vigiada.” - Pág. 32

É uma distopia, onde o ‘Esquema’ controla a cada passo, fala e ação das pessoas. Personagens estes que, repletos de camadas, carregam a narrativa bem escrita Ignácio. Em um mundo pré-apocalíptico - acho que vale o termo -, onde você precisa de fichas para caminhar pelos setores do país, sempre vigiados pelo Militecnos, impossível não linkar com o estado atual do país. É triste, mas tenho que concordar com Candido: ‘não verás’ é o retrato fiel do que diz-se realismo feroz.

“O mundo é o que está aí, põe isso nessa cabeça. Você está agarrado no trem pelo lado de fora. Nem pula, nem entra.” - Pág. 367

Mas nem tudo é negativo no romance vencedor do Prêmio lILA, na Itália em 1983, que no fim nos lança o horizonte cimentado de São Paulo uma breve festa de esperança:

“Então vi. No chão gretado, havia um pequeno arbusto. Duas folhas somente. Verdes[…] Uma pequena e alegre planta, crescendo corajosamente entre as fendas calcinadas[...]

Abaixo me junto a planta. O solo é gelado. Contemplo o ramo. Nesta planície agreste, ele cresce, indiferente. Alheio à sua própria impossibilidade de crescer[…] Viviam e cresciam desafiando impossibilidades[…] Esta é a sua maneira de resistir[…] Nosso conceito de viver tem que ser modificado, para nos adaptarmos.” - Págs. 359/360




Um vislumbre que nem tudo está acabado.




Não verás país nenhum nasceu a sombra da ditadura militar como o conto ‘O homem do furo na mão’, em 1976, quando Ignácio trabalhava na Editora abril.
Num dia monótono quando a censura havia espantado quase todos os leitores da revista o escritor, na redação vazia, rabiscou círculos na sua mão. 
Um amigo perguntou onde havia conseguido o ‘buraco’, no qual ele respondeu sorrindo: ‘vinha no táxi, a mão começou a coçar’.


terça-feira, 12 de abril de 2022

Kátia Bobbio {Biografia}





Kátia Maria Bobbio, nascida em Conceição da Barra em 03 de maio de 1960, fazendo cordel desde os 18 anos de idade – desde os 16 já fazia quadras inspiradas no jongo barrense e se apaixonou por cordéis na adolescência, quando passava os finais de semana no interior da Bahia.

Já escreveu cerca de 150 títulos de folhetos – 137 já foram publicados e alguns ganharam até segunda edição e tem quase 100 exposições de pintura, individuais e coletivas – a mais recente, em 2019, ocorreu no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo: Kátia Bobbio, 40 anos de cordel.




Bobbio é amante da cultura espírito-santense e isso espelha em sua produção artístico-literária: exaltação à nossa fauna e flora; homenageia nossos municípios e personalidades importantes; valoriza nossos monumentos. Consegue ser contemporânea ao tratar problemas sociais como a violência contra a mulher, prevenção ao câncer de mama, aquecimento global ou bullying em seus folhetos.

 

 

Fonte: https://dyghu.medium.com/uma-cordelista-barrense-em-vit%C3%B3ria-f1e991b935f0


sexta-feira, 8 de abril de 2022

“Vício de poesia: versos de suor e sangue” {RESENHA} #SêPoesia

 



“Só fui feliz quando não precisei ser a mulher da sua vida
Por que na verdade, sempre fui a mulher da minha.” - Pág. 43

A poesia de Mariana é bem posicionada: a favor da democracia, do amor, da equidade de raça e gênero. É um texto engajado, o que eu chamo de literatura em movimento.

“Faz seu corre
E lembra que amar seus iguais é também ser nobre
Pensando no asfalto
Tem uns que nele pisam
E outros que nele se aconchegam de lado” - Pág. 11

Uma mulher, feminista e empoderada nada não deita pra desigualdade nenhuma: e é assim que eu vejo o livro. É uma obra única que, unindo a vivência da poeta com a realidade que a cerca, cria um ambiente propício aos ácidos versos de ‘Vício’.

“Para cada Pau Brasil arrancado
Ensino o que foi Palmares a uma criança
Pro sangue do índio derramado
Pra cada negro espancado
Só me reforça que a luta diária
Tenho força de Dandara
Minha coragem jamais será colonizada!” - Pág. 54

Há no livro também algumas prosas curtas e poemas visuais que merecem destaque, o que torna escritora ainda mais complexa. Uma surpresa nesta leitura maravilhosa de uma poeta paulista que descreve muito bem um Brasil capitalista, patriarcal e genocida do século XXI.

“E sigo…
Pedindo a Deusa para não ser confundida
Feito a Claudia em uma esquina
E arrastado pela quadra vizinha
33 era a idade de Cristo
Quando pelos justos foi crucificado
2016 e 33 acharam justo terem estuprado!
Por isso eu faço cada dia valer a pena
Sou tipo bomba relógio
Em país que só pobre paga sentença.” - Pág. 12

A Thay Fracarolli, do @galeoteca , e eu resolvemos nos juntar para um desafio ao qual nomeamos #sêpoesia , onde falaremos sobre poetas nacionais maravilhosos e obras riquíssimas ao longo do ano.

Eu com ‘Vício’ de @soumarifelix e a Thay com ‘Labirinto Mínimo’ da @tatagibafernanda.

💙Não esqueça de dar um pulinho no post da Thay pra conferir a resenha do livro que ela leu. Vou dar um spoiler: eu AMO o Labirinto!

#SêPoesia #FernandaTatagiba #MarianaFelix #LiteraturaBrasileira #Literatura #Livros #Poesia

Trechos que te farão querer ler o ‘IDEIAS PARA ADIAR O FIM DO MUNDO’

 



🖤📝 “Essa é uma típica festa portuguesa, vocês vão celebrar a invasão do meu canto do mundo.” - Pág 9/10;

🖤📝 “Como justificar que somos uma humanidade se mais de 70% estão totalmente alienados do mínimo exercício de ser?” - Pág 14;

🖤📝 “José Mujica disse que transformamos as pessoas em consumidores, e não em cidadãos[...] Não tem gente mais adulada do que um consumidor. São adulados até o ponto de ficarem imbecis, babando. Então para que ser cidadão?” - Pág 24;

🖤📝 Já que a natureza está sendo assaltada de uma maneira tão indefensável, vamos, pelo menos, ser capazes de manter nossas subjetividades, nossas visões, nossas poéticas sobre a existência.” - Pág 33;

🖤📝 “O Rio Doce, que nós, os Krenak, chamamos de Watu, nosso avô, é uma pessoa, não um recurso, como dizem os economistas.” - Pág 40;

🖤📝 “Não tem fim do mundo mais iminente do que quando você tem um mundo do lado de lá do muro e um do lado de cá[...]” - Pág 62;

💙📝 Sobre o autor: Ailton Krenak na região do Vale do Rio Doce. Ativista do movimento socioambiental e de defesas dos direitos indígenas, organizou a Aliança dos Povos da Floresta, que reúne comunidades ribeirinhas e indígenas na Amazônia. Contribuiu para a criação da União das Nações Indígenas (UNI). É comendador da Ordem do Mérito Cultural da Presidência da República e, em 2016, foi-lhe atribuído o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

Entrevistando Contemporâneos & Independentes - Tônio Caetano

 




Como a literatura entrou em sua vida?

T: Minha família não é de leitores. Assim a literatura entrou na minha vida pela escola. Sobretudo na hora do conto, quando comecei a tomar gosto por livros como “A casa sonolenta”, “Aventuras da Bruxa Onilda”, “Marcelo, marmelo, martelo”. Depois, já aprendendo a ler, tive uma fase em que os gibis da Turma da Mônica foram meus companheiros. Dos gibis pra Coleção Vagalume e para o preenchimento das fichas de leitura, foi rápido. Foi também nesta fase que a escrita teve início, como uma conversa interna sobre as questões que me eram urgentes: família, identidade e sexualidade. Desde então sigo lendo e escrevendo, em busca de compreensão sobre o lugar que me cabe no mundo.



Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?

T: Foi a partir da leitura que meu mundo se ampliou. Na infância, fui uma criança muito reservada. Meu sonho era ter um quarto só meu, um lugar em que eu tivesse liberdade e privacidade, algo que só aconteceu no início da vida adulta. Assim, neste período todo, enquanto a privacidade não era possível, com a ajuda dos livros, exerci a liberdade na imaginação. A leitura também ajudou a moldar os meus gostos, visão de mundo. A leitura e a reflexão sobre a realidade foram os pilares para a construção do meu eu autor.



Consegue viver de literatura?

T: De uma forma afetiva, psicológica, criativa, vivo de literatura. Ela faz parte da estrutura que me ajuda a percorrer os dias. Não lembro de - nem penso em - um Tônio Caetano sem a literatura. Em relação à questão financeira, sigo conciliando o trabalho como servidor público com as demandas da literatura. Sou uma pessoa realista em relação à questão financeira, ainda mais neste momento político de desmontes do setor da cultura em nosso país. Não é uma possibilidade para mim voltar a depender financeiramente de pai e mãe, por exemplo. Trabalho para no futuro poder responder sim a esta pergunta.



Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?

T: Com base na minha experiência em 2021, o ano em que meus livros – Terra nos cabelos e Sobre o fundo azul da infância – encontraram mais leitores, as dificuldades que observei partem de vários lugares. Por exemplo, há a dificuldade para estar nos pontos de venda. Assim o escritor precisa também ser um ponto de venda. Há a questão da formação de leitores no país, situação bastante discutida em toda cadeia do livro, sobretudo nesta época de redes sociais, séries etc. E há também as dificuldades do próprio escritor em estabelecer uma interlocução sadia com seu público leitor. Quando tomei maior consciência disso, sobretudo porque meus dois livros têm propostas um tanto distintas, o que de alguma forma segmenta o público leitor, pude encontrar maior interlocução.



Quais são suas referências literárias?

T: Os escritores que sempre volto são: Caio Fernando Abreu, Carolina Maria de Jesus, Clarice Lispector, Conceição Evaristo, Fal Azevedo, Fernando Sabino, Fiodor Dostoiévski, Franz Kafka, James Baldwin, Jean Genet, Lima Barreto, Luiz Vilela, Machado de Assis, Raymond Carver, Sam Shepard e Sergio Faraco. Também há os escritores amigos talentosíssimos, com quem, sempre que posso, tenho o prazer de encontrar e conversar sobre Literatura: Adriana Mondadori, Ana dos Santos, Ana Lúcia Habkost, Ana Melo, Aniuska Van Helden, Caê Guimarães, Dalva Maria Soares, Dóris Soares, Felipe Smidt Nunes, José Falero, Jose Manuel R Barroso, Nathalia Protazio, Marcelo Spalding, Oscar Henrique Cardoso, Paula Martins, Ponciano Correa etc.



Lida bem com as críticas?

T: Hoje, quando a crítica vem, já consigo entender se é algo pessoal ou não. Então lido bem: recebo, absorvo o que me faz pensar sobre a escrita e sigo.



Está trabalhando em algum livro no momento?

T: A médio prazo, tenho trabalhado numa novela. No longo, num romance. Também sigo escrevendo contos. E poemas. 2022 será um ano de muita escrita.



O que seria de sua vida sem as letras?

T: Sempre tive interesse na arte, de forma geral. Na infância, gostava de desenhar. Tive passagem pelo teatro, canto coral, violão. Mas quando descobri as letras comecei a andar. Sem elas, talvez tivesse desenvolvido menos a minha expressão e leitura do mundo. Mais certo é que estaria dançando com outra musa.



Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:

T: Além do básico – ler e escrever sempre e, se possível, partilhar-discutir os escritos num grupo de escrita –, teria duas dicas específicas. A primeira é nunca perder de vista a resposta da pergunta “Por que escrevo?”. Escrevo por diversão, escrevo por necessidade de expressão, escrevo porque ajuda a pensar na vida, escrevo por vaidade, escrevo porque quero estabelecer laços com leitores etc. Não há resposta errada a essa pergunta. É preciso também ter em mente que não existe resposta definitiva. O caminho da escrita é um tanto de experimentar, descobrir o que funciona pra você. Estar atento a isso, sem idealização, ajuda a perceber as possibilidades que a própria escrita apresenta, e quais são as que te farão mais feliz. Uma escrita infeliz, forçada, não rende. Nem para o escritor, nem para o leitor. Fora que é um tempo, uma energia e um dinheiro muito mal-empregados. A segunda dica é tratar a escrita como uma amiga. Amiga daquela que nos dedicamos porque é importante para nós. Uma amizade assim demanda tempo, constância, experiências compartilhadas, memórias, conversas, noites em claro, brigas e reconciliações. Quanto mais ela fizer parte do seu dia a dia, menor a possibilidade da desconexão, o temido “branco”. Uma amizade verdadeira com a escrita naturalmente presenteia, presentifica, torna as coisas mais fáceis, divertidas, ajuda a voar.



Crédito da foto: Diego Lopes



Tônio Caetano é escritor, especialista em Literatura Brasileira pela PUCRS e servidor público municipal. É filho de Virginia e Armindo, cresceu correndo com os seis irmãos pelas lombas da Vila Vargas, periferia de Porto Alegre. Autor do livro “Terra nos cabelos”, Editora Record, Prêmio SESC de Literatura 2020 na categoria Conto, e do livro “Sobre o fundo azul da infância”, Editora Venas Abiertas, Prêmio Academia Rio-Grandense de Letras 2021 na categoria Narrativa Curta. É uma pessoa em busca da própria voz, do seu lugar na luta que cabe a cada um diante da realidade, da página em branco e de si.

Caliandras na Boca de Lobo (Resenha) #SêPoesia



“Caliandra é aquela florzinha que aparece em toda esquina, viela, quintal de casa, beco ou praça de grandes e pequenas cidades goyanas. Planta incandescente, vermelho grená, que ataca de cara os olhos de quem a vê. Mesmo que não seja de seu gosto, ou que talvez lhe desperte o amor por tua forma estética, é fato que esta filha do cerrado não consegue lhe ser indiferente. Tem um nome invocado, um daqueles que, quando falado não lhe vem de cara sua imagem (acústica?) na mente, soa como aquele conhecido que sempre é reconhecido mas o nome, por algum motivo, você nunca soube…” - trecho do prefácio

Caliandras é mais que uma declaração de amor, é uma revolta em versos de um corpo em movimento.

Francielle politiza o ser poético em um Zine que rasga as feridas podres do sistema machista, capitalista e racista. São palavras que chegam sem bater e caem com os dois pés na porta: é poesia-provocadora.

Caliandras é um animal ferido: não se aproxime cheio de si, pois aqui há muito de fera, de mato, de inumano. É terra de bruxa; sangue em dentes de lobo. Caliandras é urro, mas, no fim de cada poema “tudo acaba em silêncio…” (Pág. 36)

A Thay Fracarolli, do @galeoteca, e eu resolvemos nos juntar para um desafio ao qual nomeamos #sêpoesia , onde falaremos sobre poetas nacionais maravilhosos e obras riquíssimas ao longo do ano.

Eu com ‘Caliandras na Boca de Lobo’ de @poesiasolta.ft e a Thay com ‘Nossos corações brincam de telefone sem fio’ do @_matheuspeleteiro .

#SêPoesia #MatheusPeleteiro #FrancielleThaiane #LiteraturaBrasileira #Literatura #Livros #Poesia
 

‘O som do tapa’ (RESENHA)

 

O som do tapa de Carla Guerson (Editora Patuá, 2021)


“Quem quer a flor perfeita, afinal?” - Pág. 57

Quando iniciei a leitura vi um storie em que uma leitora indicava o livro a todos os homens e isso me ficou na mente, achei interessante e aguardava ansioso do porque da indicação.

‘O som do tapa’ que conta 28 histórias de 28 mulheres foi lançado em 2021 pela @editorapatua.

“Seu útero contraiu forte, a ponto de a fazer dobrar . Mas um aborto dolorido, dessa vez sem sangue, sem barriga, sem feto. Apenas a dor da perda, a mãe que ainda não era.” - Pág. 35

O mundo é cruel assim como as palavras de Carla que, em seus contos curtos, nos mostra a crueza que é viver sobretudo em corpos femininos.
A cobrança do ‘corpo perfeito’, através da soberania do patriarcado e do padrão hetero normativo, que leva à pensamentos e sentimentos sabotadores sobre cada individualidade.

“Me deixe vir aqui para sempre, diga a ele que melhorei, mas que preciso de acompanhamento. Que estou estragada, danificada, preciso de ajuda. Da ajuda dele.” - Pág. 51

São histórias de amor, abandono, resguardo, procura, rasgo.
Mulheres que, com todas suas diferentes personalidades nos mostram seu universo em textos hábeis e com seus finais inesperados.
Se tem uma coisa que me ganhou em ‘o som do tapa’ foram os términos de cada conto.

“É menina - sentenciou o médico.” - Pág. 99

Reviravolta em cima de reviravolta que, após cada plot, me deixava sem saber o que esperar ou aguardando qualquer coisa de que viesse, ou seja: literatura da mais bem trabalhada, um texto enxuto. Uma obra nada estática.

“[...] sua mãe, que não sabe ser mãe, mas que teve a coragem de te assumir e de te querer, quando seu pai decidiu que não dava para ele.” - Pág. 102

No fim, após adentrar na vida de cada uma dessas personagens, de cada mulher, descobri que, além de ser difícil viver na pele de uma delas é ainda pior imaginar que em 2022 não evoluímos bastante. Que os contos de Carla reflete uma triste realidade, mas também me deu a incrível oportunidade de repensar um um futuro para cada uma daquelas 28 personagens.

A indicação é pertinente: homens leiam ‘o som do tapa’.

Entrevistando Contemporâneos & Independentes - Carla Guerson

 



Como a literatura entrou em sua vida?


C: Gosto de inventar histórias. Lembro que, ainda muito novinha (talvez cinco ou seis anos), gostava de deitar e ficar “pensando”, vivendo do lado de dentro da minha cabeça antes de dormir. Acho que esse foi o meu primeiro contato com a literatura. Ficou gravada em mim uma sensação boa de viver essas coisas que não aconteceram e acho que isso foi o que antecedeu à escrita ou mesmo à leitura. Reviver as cenas do dia, refazer algumas coisas que vivi, mudando os acontecimentos, os personagens, faço isso até hoje, é um hábito mesmo.



Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?

C: A partir dos 9 anos, me apaixonei irreversivelmente pela palavra escrita e comecei a ler tudo o que vinha pela frente. Enquanto na leitura eu encontrava a satisfação de viver uma vida paralela, mantinha na escrita o papel de resolver as coisas que eu tinha vivido. Escrevi diários e textos reflexivos por toda a minha adolescência. Ao escrever, eu organizava o que vivia e sentia. Mas foi apenas quando assumi o compromisso de ler mais autoras mulheres que comecei a ver a possibilidade de me tornar uma escritora de ficção. Percebi que existia uma necessidade de colocar para viver esses personagens que me habitavam.



Consegue viver de literatura?

C: Não. Eu não vivo sem a literatura, mas não vivo da literatura (no sentido de prover meu sustento financeiro).



Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?

C: A maior dificuldade é sair do meu círculo de amizades. Eu tenho muitos amigos e espero ser lida por todos eles, mas certamente não queria ser lida apenas por quem me conhece ou tem relação de amizade comigo. A maior dificuldade é chegar nessas pessoas que não me conhecem e que irão conhecer apenas meus textos. Tem acontecido, mas ainda é um número reduzido.



Quais são suas referências literárias?

C: Escritoras mulheres, sempre. As antigas, as contemporâneas. Me apaixonei pelas irmãs Bronte, li todas as obras. Elena Ferrante é uma grande referência para mim, também. Com ela aprendi que é possível ser profunda, leve, fácil e complexa ao mesmo tempo. Dentre as brasileiras contemporâneas, Aline Bei, que foi minha professora, mentora e que escreve com uma entrega completa, tem um talento incrível para tocar o leitor. Conceição Evaristo, Carola Saavedra, Renata Belmonte, Veronica Stigger, Nara Vidal, Maria Valeria Rezende, Eliana Alvez Cruz. Bebo de todas essas fontes (e com certeza estou esquecendo de algumas). Eu poderia dizer que todas as mulheres que li (e foram muitas), de alguma forma, são referências para mim. Participo de um grupo que se dedica, desde 2016, a ler exclusivamente obras escritas por mulheres e essa leitura tem sido essencial na construção da minha identidade como escritora. Na folha de agradecimentos do meu livro, inclusive, menciono a gratidão a todas as mulheres escritoras que me antecederam, por me fazerem entender o que tenho a dizer.



Lida bem com as críticas?

C: Ainda não sei. No dia-a-dia, sim. Mas não sei como vai ser quando forem críticas direcionadas ao meu livro, por exemplo. Acredito que estou preparada. Até mesmo porque, para ser criticada, tem que ser lida. E eu quero ser lida.



Está trabalhando em algum livro no momento?

C: Acabei de lançar meu livro de contos, pela editora Patuá: O som do tapa. São 28 contos com personagens femininas de diferentes faixas etárias e classes sociais, abordando temas como estupro, violência doméstica, perdas, maternidade, relacionamentos abusivos, sobrecarga feminina, conflitos familiares, sexualidade, autoimagem, dentre outros.



O que seria de sua vida sem as letras?

C: Não seria. Esse relacionamento já está entranhado em mim de tal forma que faz parte da minha identidade.



Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:

C: A primeira dica seria: escreva, sem se questionar o que virá. É muito difícil escrever pensando numa publicação ou escrever imaginando o que vão dizer do seu texto. Acredito que devemos escrever sobre o que vive em nós, para que seja sincero, digno, completo. Não dá pra ter medo de se expor, de se colocar.

A segunda dica é não ficar só. Conhecer e se relacionar com outros escritores. Participar de oficinas, encontros e cursos de escrita. Além de ser importantíssimo na elaboração do seu texto e na descoberta do seu estilo pessoal, ajuda na construção de uma rede de relacionamentos com seus pares, pessoas que também estão escrevendo e publicando na mesma época que você.







Carla Guerson é escritora, feminista, geminiana, incomodada. Capixaba, nascida e criada em Vitória/ES, onde reside. Escreve contos, crônicas e poemas e tem textos publicados em diversas revistas literárias, coletâneas e antologias. Está lançando, em 2021, o seu primeiro livro: “O som do tapa” (Editora Patuá). Instagram: @carlaguerson.

Crença e ancestralidade em ‘Gameleira-branca’

 

Gameleira-branca de Sofia Aroeira (Editora Jandaíra, 2021)


Terminei de ler esse livro lindo da Sofia Aroeira, lançado recentemente pela Editora Jandaíra e não pude deixar passar batido sem um post de indicação para você.

É um romance cercado de histórias que se entrelaçam entre mãe, filha e avó, mas o que mais me chamou a atenção foi a crença e a ancestralidade que permeia todo o texto de Sofia.

Uma coisa muito presente também no livro é a linguagem oral, marcante principalmente nas personagens da pequena vila de pescadores para onde Dora retorna, bem significativa para o desenrolar das histórias contadas por sua avó.

Por fim ‘sobra silêncio e faltam palavras, assim Dora resumiu sua vida familiar. Já em Gameleira-branca, silêncio, palavras, tudo está na medida certa.’ – Trecho do Posfácio, por Thais Rodegheri Manzano.

Espero que goste,


Ah! E lembrando que, comprando no site da editora Jandaíra – usando o cupom #10PALAVRASMARGINAES - você ganha 10% de desconto no catálogo inteiro.


Aproveite e


Até a próxima!


#GameleiraBranca #Ancestralidade #Crenca #Religiao #LiteraturaBrasileira #Livros #Book #InstaLivros

‘O Quinze: os fantasmas da seca’ (RESENHA)

 



“___ Tenho fé em S. José que ainda chove!” - Pág. 3

O romance de Rachel é quase que totalmente de cunho social, uma história regionalista - passada toda no sertão cearense -, onde a autora expõe toda a luta do seu povo contra a miséria e a seca. O livro inclusive é retratado pelo crítico Adolfo Casais Monteiro, em um estudo lançado em 1964, como “o mais notável, senão o único verdadeiro romance social brasileiro.”

“Os meninos […] exigiam com força o que beber; gemiam, pigarreavam, engoliam mais farinha, ou lambiam algum taco de rapadura, entretendo com o doce a garganta sedenta.” - Pág. 26

É uma obra seca, com gosto metálico de sangue e morte, de sonhos e desejos, até o seu clímax onde os fantasmas da seca são espantados pelos pingos da chuva que derramam sobre as cabeças quentes após um longo período de estiagem.

“Chuva fresco e alegre que Tamborilava cantando na velha telha, e corria nas biqueiras empoeiradas, e se embebia depressa no barro absorvente do terreiro!” - Pág. 99

Uma das passagens que mais me marcou foi a cena em que a personagem principal chega aos ‘campos de concentração’ - assim nomeados pela escritora -, lugar onde são levados os sertanejos retirantes que deixam sua vida e sua cidade por causa da falta d’água e consequentemente a fome que assola o povo.

“Por que, em menino, a inquietação, o calor, o cansaço, sempre aparecem com o nome de fome?” - Pág. 28

São retratados no romance de Rachel alguns problemas que perpassam o tempo como racismo e machismo, mas também é dado uma mostra da evolução de lutas sociais necessárias como o feminismo. É neste livro que conheci uma personagem independente, desprendida dos padrões sociais da época e da tradicional família brasileira.

“[…] quando a gente renuncia a certas obrigações, casa, filhos, família, tem que arranjar outras coisas com que se preocupe[…]” - Pág. 92

Rachel de Queiroz foi a primeira mulher a entrar para a ABL; uma instituição patriarcal que começou uma mudança dando este passo… Ou não.

‘O Quinze’ foi adaptado para o cinema como filme homônimo, em 2004, dirigido por jurandir de Oliveira.

‘Pro inferno com isso’ (RESENHA)

 



“Literatura se planta com acidez e ironia.” - Pág. 135

O livro é feito de contos rápidos, de no máximo duas páginas, além de seus parágrafos muito curtos que você lê e nem percebe quando cada texto termina. É uma leitura bastante fluida.

“Daniel odiava que escritores conversassem sobre literatura e não sobre a vida, sobre o mundo, a guerra, o suicídio, a existência, o mar e seus tantos outros aspectos fascinantes, mas, ainda assim, se sentou ali.” - Pág. 110

Nos apresenta criaturas marginalizadas: mendigos, prostitutas, corpos invisibilizados em situações inesperadas, por isso cada conto parece universo a parte.
Apesar de todos refletirem uma contemporaneidade única; a realidade é uma viagem por isso Matheus resolveu escrevê-la.

“A modernidade fede, e é para quem tem paciência e certo senso de masoquismo.” - Pág. 62

Matheus tira sarro da humanidade, de seus smartphones com seus Apps super desenvolvidos, sempre com humor muito ácido, quase subvertendo seu texto a uma nova narrativa.

No conto ‘O roqueiro de preto’ lembrei dos meus tempos no rock in roll, uma vibe massa que marcou toda uma geração. O que também me fez enxergar a temporalidade das coisas, dos momentos, das pessoas.
Senti umas características da crônica nos textos de ‘Pro inferno com isso’; um tanto biográficos pelas vivências de cada personagem.

“Um mundo de Sérgios Sampaios parecia perfeito, no entanto, as pessoas estavam consumindo-o em excesso e, assim como quase tudo na vida, percebi que Sérgio Sampaio podia ser nocivo em excesso.” - Pág. 99

Em alguns contos do livro o autor se pega comumente fazendo críticas ao academicismo, que engessa os escritores hoje em dia, deixando-os alienados ao que se passa no mundo real.

“Lá estavam os escritores do cenário brasileiro, vestidos todos com roupas parecidas, pensamentos parelhados, rabos presos e discursos cautelosos.” - Pág. 121

Flores de alvenaria (RESENHA)

 


“Minha poesia vem das ruas
que os anjos não costumam frequentar.” – Pág. 5

“Segue a melhor tradição do faça-você-mesmo dos punks, da geração mimeógrafo. Só que não no Parque Laje carioca, mas na laje de algum bairro afastado com o nome de “Jardim” ou “Parque” da capital paulistana.” – Chico César, trecho da apresentação do livro.

A verdade escancarada crua, estilhaçada em nosso peito, sincera e franca, como deve ser. São palavras-de-vidro que cortam, machucam, sangram. São textos curtos e incisivos.

“Dizem que quando a gente morre,
vai todo mundo para o mesmo lugar...
Devia ser quando nasce.” – Pág. 95

‘Magia negra’ é pra mim o melhor poema que, de tão lindo, ler apenas não basta. Deve ser declamado, lido em voz alta. Este é um daqueles berros que acorda os da casa grande. É para isso que são feitos os versos de Sérgio Vaz.
O poeta versa uma ‘vida sem bula’, coisa que só a música de ‘Flores de alvenaria’ é capaz.

“A rotina é máquina de moer gente.” – Pág. 177

Há no livro também, em prosa poética e em versos, algumas experiências do autor em todos os anos à frente de suas atividades artísticas e culturais.

“Quem lê enxerga melhor.” – Pág. 209

A Thay Fracarolli, do @galeoteca, e eu resolvemos nos juntar para um desafio ao qual nomeamos #sêpoesia , onde falaremos sobre poetas nacionais maravilhosos e obras riquíssimas ao longo do ano.

Começamos com Sérgio Vaz. Eu com ‘Flores de Alvenaria’ e a Thay com ‘Colecionador de Pedras’.

#SêPoesia #SergioVaz #LiteraturaBrasileira #Literatura #Livros #Poesia

Redemoinho em dia quente (RESENHA)

 


“Havia uma segurança na mesmice, uma certeza de que tudo ficaria exatamente como estava.” - Pág. 11

O livro é formado de contos curtos e suas histórias nada comuns, quase sempre com finais impactantes, também contém muito regionalismo em suas páginas.

A religiosidade está muito presente nas personagens, em alguns contos como temas secundários, mas Jarid trata de temas importantes como o machismo, o racismo, feminismo, patriarcado e a LGBTfobia em seus contos.

“Mas ela própria não era uma presença como todas as outras presenças naquela praça. Era uma interrupção, uma topada, uma interrogação.” - Pág. 31

Assim como as representações culturais únicas do nordeste brasileiro, rica e potente, ainda bem representadas pelos escritores contemporâneos brasileiros e aqui com a vivência de Jarid Arraes.

Com uma linguagem simples, mas repleta de sutilezas regionais - algumas gírias e palavras locais bem situados - nos deixa familiarizados com suas histórias.

“Em vez de dizer, deitou segurando nas raízes da árvore. Entrelaçou as pernas com os galhos que tocavam o chão. Até as nove, já era calçada.” - Pág. 80

‘Redemoinho em dia quente’ também mostra que a mesma triste realidade da seca e da fome que faz parte da vida de seus personagens é a mesma sombra que assola o Brasil do século XXI.

“As coisas poucas são doces […]” - Pág. 51

‘Um novo animal na floresta: a ironia em face da ditadura’ (RESENHA)

 


“O estado convertido ao terrorismo” - Pág. 107

O livro retrata de forma lúcida relações políticas e culturais no Brasil entre os anos 60/70, período em que o país era sobrevoado por uma sombra da ditadura militar pós golpe de 1964.

“[...] fizeram uma fogueira com tudo o que ali encontravam […] Saíram gritando “abaixo a Ditadura!”. Uma comerciária disse que eram jovens e bonitos, estavam alegres, pareciam participar de uma festa.” - Pág. 19

Munido de um narrador onisciente José Carlos Oliveira relata os acontecimentos, em sua maioria cenas com carga negativa, sem visão de um bom futuro, típica de um jornalista que viveu e narra parte tão emblemática da nossa história.

“Se posso fazer em minha casa o que bem entendo, conforme me asseguram o meu senso de privacidade e a própria Constituição da República (mas o AI-5 está aí, desmoralizando todos esses liberalismos)” - Pág. 33

O autor e sua obra são quase um só, pela forma como descreve a personagem principal e seus amigos, o cronista ‘Carlinhos Oliveira’, em sua autoficção luta, ao lado dos ‘guerrilheiros urbanos’ contra um sistema que tortura, censura, persegue e mata.

“[…] Não estou a favor de nenhum dos lados e provavelmente estou contra os dois. Sou, digamos assim, um rebelde confuso, perplexo, condenado à solidão por não ter aderido a um dos antagonismos em colisão. Enfim, sou boa-praça, um escritor inofensivo, um animal existencialista…” - Pág. 113

Apesar de não ser um documento histórico ‘um novo animal na floresta’ é uma rica fonte literária para escrever parte nebulosa da história do país.

“Nestes dias, entretanto, tudo é evidente e não é.” - Pág. 66

Ao lado de de Ignácio de Loyola Brandão, Carlos Heitor Cony, Fernando Gabeira, Antônio Callado, entre outros, Carlinhos Oliveira que veio dos meios de comunicações tiveram e tem um papel importante na contação de histórias tão contundentes e fortes feito esta. Eles contribuíram para que parte da nossa história não fosse mais uma vez censurada.

“É tempo de aflição e festa, entrelaçadas.” - J. C. O. (1981)

“A extinção das abelhas: quando não há mais um enxame” (RESENHA)

 




“As pessoas vão embora.” - Pág. 11

Tudo começou com a doença e, consequentemente, morte das abelhas e tudo tem uma explicação.

Na primeira parte do livro somos apresentados às personagens, complexas e cheias de camadas, mulheres que (sobre)vivem num planeta em estado crítico.

“A gente não se assusta com mais nada. Até que as coisas nos atinjam.” - Pág. 88

Já na segunda parte a Terra começa a morrer e vemos a sua decomposição, aos pequenos pedaços, em capítulos menores que na parte anterior, uma Terra ainda mais impactada.

Estamos diante de uma distopia bem próximo da gente.

“Quem vai comprar caminhão com o preço da gasolina do jeito que tá? […] Tá tudo desmatado pra criar gado, mas a carne é cara igual.” - Pág. 180

Há no livro uma série de reflexões a respeito de uma política trágica que, através de seus palhaços falsos democratas, espalha a peste em ‘seu povo’: uma estória com os dois pés na realidade de um Brasil do século XXI.

“O maior inimigo do meio ambiente é pobreza, porque as pessoas pobres destroem o meio ambiente para comer, disse o ministro da economia do Brasil no foro de Davos há alguns anos.” - Pág. 199

É sobretudo uma história de afetos, grito escrito de socorro.

Em meio a essa Terra em estado terminal a vida de mulheres que, com todos os desafios pré-existentes, se cruzam para se ajudar a combater a ignorância de muitos, a desinformação da maioria e a desgraça de todos.

“Não tinham mais ninguém a não ser elas mesmas […] Não sabiam dos desertos, mas entendiam de solidão.” - Págs. 291/292

Natália mostra a carcaça das abelhas que nós ajudamos matar.

Falando nisso me questiono: a quanto tempo não vemos abelhas?


Terra de Tormenta (RESENHA)

 



“ O amor não é como uma torre.” - Pág. 39

É um livro-homenagem a um dos maiores romances da América Latina, ‘Cem anos de Solidão’, com alguns personagens e até a fictícia e mágica Macondo onde Gabo cria todo seu realismo fantástico.

“Não o entendi, então, por que ali, velando o Coronel naquela manhã dourada, de rosas vermelhas e lírios brancos, estava em Macondo toda a humanidade que eu era capaz de conceber.” - Pág. 09

Acrescento não ser necessário ter lido o romance de Márquez para vibrar com ‘Terra de Tormenta’, já que eu não o li e fui completamente tomado pela história que René conta aqui.

“ É só mais uma revolução. Nada além de mais uma revolução[...]” - Pág. 37

Terra de Tormenta é mais uma fábula da nossa triste realidade, conta uma rica América sendo sucateada e vendida à outra. Mostra um povo condicionado a subserviência e ao contentamento, a América em que nada muda.

“É por isso que esse país é feito de mentiras […] E de silêncios. Mas os silêncios, embora sejam de muitos, jamais serão de são de todos.” - Pág. 55

A personagem principal instiga revolta, que borbulha de um sangue fervente dos que morreram pelo solo em que pisam, pelos que são impelidos de sonhar. Estes são os ingredientes de Terra de Tormenta de René Duarte, parafraseando o próprio autor: “uma terra onde nada se mede.”

“ E é por isso que os baile de máscara são nossas festas nacionais de cada um próspero ano novo [...]” - Pág. 104

Assim é América que o realismo do autor descreve, nem sempre mágico.
O livro é sobretudo uma linda história de amor, de um guerrilheiro urbano e sua Estrella, do cidadão e sua pátria.

“[...] é preciso amar com nosso próprio coração e viver nossos próprios dias.” - Pág. 105

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Leite Derramado (RESENHA)

 



⚠️ GATILHO: Violência, Racismo, Machismo



“Não adianta chorar pelo leite derramado.” - dito popular



O livro é um imenso quebra-cabeças, hora com peças demais hora com memórias quebradas, um mosaico dentro do velho homem no hospital.

“É como se dizia antigamente, pai rico, filho nobre, neto pobre.” - Pág. 38

Chico ironiza com as desigualdades de classe e raça, com a pobreza, e mostra um relato retrato da elite brasileira, um povo ainda com traços do imperialismo colonizador português.

“O Balbino nem era mais escravo, mas dizem que todo dia tirava roupa e se abraçava num tronco de figueira, por necessidade de apanhar no lombo. E vovô batia de chapa, sem malícia na mão, batia mais pelo estalo que pelo suplício. Se quisesse lanhar, imitaria seu pai, que quando pegava negro fujão, açoitava com grande estilo.” - Pág. 102

O autor evidencia traços do patriarcado e da tomada do corpo feminino diminuindo - um corpo menor em poder -, a um objeto todo exclusivo do seu marido, do homem da casa.

“[...] ver minha mulher nos braços daquele crioulo foi para mim a pior infâmia[...]
Esquisito ter lembranças de coisas que ainda nem aconteceram[...]” - Pág. 116/117

Mostra também a frágil masculinidade que permeia a personagem principal desde o início da história, criando assim uma desconfiança a cada esquina em que Matilde - que na minha opinião é a personagem bem mais construída de todo o romance, deusa empoderadíssima - se dobra.

“[...] cada lembrança já é um arremedo de lembrança anterior.” - Pág. 136

Um clássico da contemporaneidade, pois reflete muito da história do Brasil a cada capitulo.

Boa leitura!

Entrevistando Contemporâneos & Independentes - Ana Luiza França

 



Como a literatura entrou em sua vida?

A: Nossa…não sei dizer exatamente. Lembro de gostar muito de ouvir histórias quando criança e de antes de aprender a ler, saber exatamente quais eram as palavras escritas. Como eu queria que contassem os mesmos títulos repetidamente, às vezes a minha avó usava as palavras dela e eu interrompia dizendo que “não era assim” e, em seguida, dizia a frase original. Alguns livros da infância eu guardo e revisito até hoje. Pensando agora, acho que a literatura entrou na minha vida no momento em que me apaixonei pelas palavras, pelos sentidos que se escondem nelas; e isso aconteceu bem cedo.



Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?

A: Vejo a leitura e a escrita como formas de dialogar com o mundo. Às vezes você tende mais para uma ou para outra, mas ambas nos colocam nesse diálogo. Na adolescência acho que o que eu mais lia eram poemas. Depois que comecei a publicar os poemas que escrevo, já com 33 anos, minha mãe encontrou uns versos que fiz, e pela minha letra, quando ainda estava no processo de alfabetização. Sempre conto isso para ilustrar como desde bem jovem eu sou encantada pela poesia, e foi justamente por ela que comecei a me entender como escritora. Mas creio que qualquer forma de leitura do mundo, ainda que não passe pela palavra escrita, pode te levar para um lugar de autoria, ainda que também não passe pela palavra escrita.


Consegue viver de literatura?

A: Eu vivo do meu trabalho com arte, não exclusivamente de literatura - isso em todos os sentidos. Quando iniciei minha trajetória profissional não via a literatura como uma possibilidade. Minha atuação até 2018 era só no teatro, área em que me formei. Atualmente parte da minha renda vem do meu livro independente e da Oficina Palavra Franca de Escrita Criativa. Outra parte permanece vindo das atividades como professora de Teatro e de Artes, como atriz, produtora, contadora de histórias, dramaturga…Eu perdi a referência, mas lembrei de um texto enviado por uma amiga que dizia que, para além do trânsito entre as áreas artísticas que nasce da própria imbricação que há entre elas, viver de arte no Brasil costuma demandar que transitemos entre funções por questões econômicas, especialmente no caso de uma artista mulher.


Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?

A: Sendo uma artista independente, essa é uma parte complicada. Eu comecei a publicar meus poemas no Instagram e a maioria das pessoas que leem o que eu escrevo chegou por ali. A internet, de modo geral, teve um papel importante no sentido de democratizar, em alguma medida, a fruição da produção cultural. Há 20 anos, se você não conseguisse uma editora que quisesse te publicar, ninguém leria o que você escreve. Ainda que seja uma forma de leitura mais dinâmica, hoje é possível alcançar o público por meio das redes sociais, e isso foi uma mudança gigante. No entanto, as mesmas redes têm restringido a entrega das postagens que não são feitas através de anúncios pagos…há toda uma lógica dos algoritmos que pode se tornar um entrave na hora de divulgar o conteúdo que produzimos. Meu primeiro livro foi lançado de forma independente, com apoio de um edital de fomento às artes da cidade em que vivo e sigo trabalhando para que ele chegue às pessoas. As dificuldades na distribuição dos bens culturais podem se revelar tão grandes quanto as das etapas de produção.


Quais são suas referências literárias?

A: São muitas, mas hoje quero citar a Isabella Mariano, uma escritora talentosíssima aí do Espírito Santo.


Lida bem com as críticas?

A: Hoje em dia acho que sim. O que é feito com respeito a gente tende a digerir em algum momento.


Está trabalhando em algum livro no momento?

A: Como disse antes, sigo priorizando a divulgação do meu primeiro livro, “No Ventre do Mundo", que foi publicado em dezembro de 2020. Em relação a novos projetos, eu vou desenvolvendo e guardando ideias até ter uma oportunidade para tirá-las do papel - ou para colocá-las rs. Nesse sentido, estou, mas de forma planejada e organizada, ainda não.


O que seria de sua vida sem as letras?

A: Ah, não seria a minha vida, seria outra. As palavras me salvam.


Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:

A: Eu ainda sou uma novata como escritora, mas da minha experiência como artista que vem desde o teatro, acho interessante ter em mente que toda área tem particularidades, tem ônus e bônus. Sabendo que você deseja o bônus, procurar entender qual é o ônus. E não ter medo da experiência; escrever é abrir o mundo e abrir-se para o mundo com suas palavras.



Ana Luiza França é atriz, contadora de histórias, poeta, dramaturga, produtora e professora de Artes e Teatro para crianças. Cursou graduação e mestrado em Artes Cênicas na UNIRIO, graduação em Produção Cultural na UFF e licenciatura em Artes na UCAM. Foi responsável pela coordenação editorial de seu primeiro livro, “No Ventre do Mundo”, lançado em dezembro de 2020. Com uma equipe formada por mulheres, a publicação foi selecionada no Edital de Fomento às Artes, promovido pela SMC de Niterói. Escreveu o texto e as canções de “Quem disse? – teatro feminista para crianças”, espetáculo em que também atua. Realiza a Oficina Palavra Franca de Escrita Criativa, voltada para mulheres. Em seu perfil @palavrafranca, no Instagram, publica os poemas que escreve, contações de histórias e informações sobre seus trabalhos.

‘A solidão da modernidade: morangos, cigarros, ambos mofados, amor!’, C. F. Abreu por Henrique Pariz {RESENHA}

 



“[...]cultura demais mata o corpo da gente[...]” - Pág. 14

O livro é dividido em ‘o mofo’, ‘os morangos’ e ‘morangos mofados’, conto único. Com alguns textos corridos, outros apenas em diálogos, Caio me tirou da zona de conforto me levando à experiências incríveis.

“Os pêlos molhado se misturavam. Ele estendeu a mão aberta, passou no meu rosto, falou qualquer coisa. O quê, perguntei. Você é gostoso, disse ele. Não parecia bicha nem nada: só um corpo que por acaso era de homem gostando de outro corpo, o meu, que por acaso era de homem também.” - Pág. 46

Apesar do primeiro contato com Caio contista já me apaixonei, principalmente pelo conto ‘Aqueles dois’ onde ele mostra a relação entre amigos, quase amantes, de uma forma forma comum: com suas dores e arrepios, acima de tudo um retrato de uma sociedade machista e heteronormativa. Em meio a ficção o escritor trouxe com normalidade uma relação homoafetiva.

“E a cada dia ampliava-se na boca aquele gosto de morangos mofando, verde doentio guardado no fundo escuro de alguma gaveta.” - Pág. 138

Os contos são totalmente diferentes: enquanto o primeiro é todo diálogo, no segundo é escrito em apenas um parágrafo, o que nos mostra toda a versatilidade do autor.

“Cavidades-porosas-que-se-enchem-de-sangue-quando-excitadas.” - Pág. 81

Alguns, senão a maioria dos textos, me pareceu uma constante procura das personagens pelo sentido da vida e das coisas a sua volta. Contos estes que levam o leitor a profundas reflexões existenciais sobre si próprio.

“[...] meu caminho não cabe nos trilhos de um bonde.” - Pág. 86

Com bastante referências da cultura pop/cult das décadas de 70/80 Caio cria ambientes sensoriais à nós leitores nos levando de mãos dadas até a cabeça de seus personagens.

“[...] até nossos beijos parecem beijos de quem nunca amou.” - Pág. 133

Seus textos são introspectivos, uma boa pedida aos fãs de Clarice, porém com a crueza da realidade social e política do autor.

“[...] observando os canteiros de cimento: será possível plantar morangos aqui?” - Pág. 145

‘Um livro advogado’, por Henrique Pariz

 


“Edmar acaba preso.” - Pág. 07

Assim se inicia o romance ‘O ato do tio’ de Hugo, cara leitora.

Publicado pela primeira vez em 2015, em seu livro de contos ‘Boneca: atrás da feição oca’, um texto breve com pouco mais de seis páginas.

“Edmar me permitiu apenas explicar o que os ‘carinhos’ ocorriam: todo o dia, quando o tio dele chegava bêbado, como castigo por ser como era.” - Pág. 39

O ato é como a sombra que perseguiu cada boca já censurada, é a bandeira mais colorida que um país heteronormativo jamais será capaz de hastear. ‘O ato do tio’ é um grito de liberdade. Em cena: a sociedade do espetáculo!

“E se você acha este livro impróprio em pleno ano de 2018, ou mesmo não digno de um Edital Cultural (veja só!) por tratar de temas proibidos, acho melhor você voltar a ler os poemas sobre A brancura das paredes do Convento da Penha [...]” - Pág. 47

Este livro é para nos tornar juízes e não apenas testemunhas, onde o autor, depois de nos dar uma panorama de uma trama cheia de reviravoltas, nos joga num quarto escuro com seus personagens e seus monstros.

Leitora, eis um último ato:

“Toda a folha seca é uma desistência sobre o vento.” - Pág. 170

Entrevistando Contemporâneos & Independentes - Hugo Estanislau

 



Como a literatura entrou em sua vida?


H: Minha mãe, não sei se ela lembra, tinha um caderno de poesia feito por ela e eu achava isso tão bonito. Tinham cartas de amor dos dois... Meus pais também sempre tiveram muitos livros em casa.Coleção de enciclopédias, livros infantis... Ficavam todos em um quarto no terraço que eu chamava de biblioteca. Adorava me esconder lá quando tinha problemas; entrar em mundos diferentes. E eu adorava aquelas séries de mistério da TV como além da imaginação; animes; filmes nos quais os personagens queriam ser escritores, igual em "meu primeiro amor". Nosssaa, adorava! Quando a atenção eu vi um além da imaginação que me prendeu a atenção eu resolvi fazer um fanfic dele, mesmo sem existir isso de fanfic, era, era 2001 eu acho. Meu pai me apoiou dando ideias de como imprimir, perguntando sobre; meus amigos... E isso me animava. Eu consegui terminar o livro, mesmo com muitos, inúmeros e tenebrosos erros. Poxa, eu tinha onze anos... Mas sempre fui muito intimidado por meus erros de português... Hoje eu não ligo pra isso mais, eu já aceitei que tenho um fluxo de escrita rápido e, quando entro nele, não tenho tempo pra pensar em regras gramaticais. Um exemplo: é muito comum eu trocar p por b, m e p, e por aí vai. Até na universidade, passei constrangimento por professores despreparados em lidar com isso. Mas enfim, eu nunca consegui editar esse primeiro fanfic, não tinha as ferramentas. Apaguei faz alguns anos. Mas ainda tenho os manuscritos.



Qual foi o papel da leitura para a construção do seu eu autor?



H: Foi importante demais. Eu adorava Érico Veríssimo, Clarice, Rubem Fonseca, lá nos meus 11-15 anos. Pra você ter uma ideia, eu usei o modelo de narração de Ana Terra para articular as narrações do fanfic já citado. Eu achava tão diferente da literatura infantil que eu tava acostumado e enjoado de ler. Quando eu comecei a ler esse tipo de literatura, eu achei um máximo queria copiar.

Bom, depois que desencantei do tal fanfic, eu comecei a entender que a música também tinha letra e eram poemas! Então comecei a, secretamente, escrever músicas, poemas...eu achava q escrevia, né?. E eu achava que era bom nisso já que na narração eu tinha me frustrado (socorro!). Eu não tinha as ferramentas gramaticais para escrever um romance. Mas na poesia eu achava que podia ser livre e errar o que eu quisesse sem ser julgado. Foi assim que a música teve mais influência, e eu copiava, principalmente, Legião Urgana, Radiohead, Nirvana, Cazuza... Depois que eu desenvolvi meu ritmo e escrita, compreendi que não podia fugir da narração. Que tudo que eu achava serem poemas, na verdade, eram contos, microcontos, narrativa poética. Mas isso eu só fui entender na universidade, com o curso de Letras.



Consegue viver de literatura?

H: Não... Teria de divulgar e viver a literatura como vocês. Fazer resenhas e crítica literária! Admito que eu gosto de fazer também. Infelizmente, não tenho tempo para esse sonho ainda.



Qual a maior dificuldade que encontra para chegar ao público leitor?


H: Que as pessoas vençam o medo do livro. Retirem o livro e o autor do pedestal que a falta de leitura e contato com os livros cria no senso comum.



Quais são suas referências literárias?



H: Eu me apaixonei pela literatura nacional depois de ler, escondido (porque eu tinha 11 anos e Ana Terra - que eu tinha roubado da "biblioteca" da minha irmã - não era indicado para minha idade), Ana terra. Então eu comprei um Escrava Isaura numa loja de 1,99 e, a leitura era tão complexa pra mim, que eu não conseguia nem sair da primeira página sem um dicionário. E eu não admitia isso! Risos... Mais tarde, quando eu já tinha desenvolvido minha leitura, eu fiquei intrigado com Feliz Ano Novo (que eu também li por conta da minha irmã), A Hora da Estrela, e finalmente, o famoso livro da barata, A Paixão Segundo GH. Gente, como assim uma barata era tema pra um livro? Eu amei. Matava aula na biblioteca para buscar mais livros como esse. Perturbava minha bibliotecária preferida. Eu queria fazer histórias daquele jeito: que irritavam os leitores, que incomodassem. Também tenho apreço por Guimarães Rosa, Machado, Caio Fernando, Lígia Fagundes. E, dos capixabas, eu gosto muito de Lyra e Grijó. Tenho duas contistas capixabas contemporâneas da minha geração que são exemplos para mim, mas melhor abafar.



Lida bem com as críticas?

H: Sim, a propósito, sou bancário também. Mando a real facilmente, quando necessário. Mas o desafio maior é lidar com a autocrítica.



Está trabalhando em algum livro no momento?



H: Escrevendo, não. Mas tô com dois livros novos. Planejei meu primeiro romance para 2020, "O ato do tio", e outro para 2021 "Um Futuro Em Cenataum, a fuga", mas, por conta da pandemia, os dois livros preferiram ser lançados juntos. Poderia esperar e lançar os dois separados. Guardar UFECAF durante um ano... Mas quem faria isso? A ansiedade de escritor não permite.



O que seria de sua vida sem as letras?

H: A leitura e a fábula me fizeram enfrentar muitos problemas na infância e adolescência. Eu teria enfrentado de outra forma talvez; se seriam tão saudáveis, não sei. Sou grato a literatura, aos meus pais e minha escola que sempre se esforçaram para que eu perdesse o medo dos livros.



Dê uma (ou mais) dica(s) para quem quer ser escritor:



H: Nunca deixe de mostrar sua literatura pra ninguém por vergonha ou romantismo. Não existe o próximo Machado de Assis nem o próximo livro perfeito. Eu escrevia um projeto de livro a mão com todos os erros de português que vc pode imaginar. Eu tinha problemas terríveis de erros que até hoje tenho. Não se puna ou se autocritique demais e não de bola pra todo mundo que ri de você. Editores e revisores existem, exatamente, para isso: ajudar a colocar o fluxo literário na linha. Eu tenho uma receita que não é minha, vem de outros escritores: faça um projeto de livro por ano, pense num projeto completo, um tema e beijos... Acho que é bom pra treinar. Os primeiros vão ser uma merda. Não publique enquanto não tiver orgulho e certeza do que fez. Uma hora você agrada o seu gosto, o de outra pessoa e do nada, você desenvolve sua forma própria de narrar, seu ritmo próprio. Se é que eu tenho. É meu conselho.



Hugo Estanislau, 31, nasceu em Cariacica. É empregado público e escritor. Publicou o livro de contos "Boneca" pela Pedregulho em 2016, o romance "O ato do tio" em 2020, e o romance "Um futuro em Cenataum, a fuga" em 2021. Seus contos também foram premiados na coletânea do prêmio UFES de literatura. Mantém o site hugoestanislau.com.br, o instagram @uestanislau e o youtube hugoestanislau.

‘no urubuquaquá, no pinhém’ e a longa jornada na obra de João Guimarães Rosa (RESENHA)

 


“todo buriti é uma esperança” - Pág. 108

Para entender as histórias de Guimarães comece desentendendo tudo o que conhece sobre a língua e a linguagem da gramática brasileira: ele é um autor nada previsível quando falamos em língua portuguesa. E é esse um dos motivos que tornam a leitura difícil, além de seus contos serem muito densos e cheios de camadas.

“Só os montes se algodoam, além, do ruço da chuva [...] Se escuta também uma tosse de vaca.” - Pág. 90

Em ‘no urubuquaquá, no pinhém’, lançado pela @globaleditora, temos três novelas onde JGR aborda o tema caminhada. Seja ela física, espiritual ou amorosa. Ambas se passam no sertão do Brasil e permeiam a seca que assola a população local.

“Não-entender, não-entender, até se virar menino.” - Pág. 99

Temos em todas as novelas do livro também temas recorrentes em nosso presente como as diferenças de classe raça; a narrativa mostra o poder da riqueza de poucos em detrimento da pobreza de muitos.

É marca da obra o realismo mágico, traço forte da literatura latino-americana, em trechos tão poéticos que chegam levar seu leitor à lugares onde a realidade da vida não alcança.

“[...] eram dias desigualados, no riso rodante do mundo, da ponta das manhãs até ao subir extenso das noites, com milmilhar de estrelas do sertão.” - Pág. 134

Em meio as maravilhas que foi ler no urubuquaquá, principalmente na última novela, o autor escancara à sociedade o que o patriarcado e o machismo faz com as mulheres: a repressão do grupo causa nas personagens a sensação de criatura ‘menor’, tendo corpos objetificados e tratados como propriedade do homem.

Por esses motivos, tão cruéis e próximos, que João Guimarães Rosa é um clássico, tornando-se um dos maiores autores brasileiros; ele capturou a alma do homem ‘bruto’ e do sertão como ninguém.

“[...] coração não envelhece, só vai ficando estorvado… Como o ipê: volta a flor antes da folha…” - Pág. 169